A tragédia de Alcafache
À data do acidente, em 1985, a censura tinha acabado em Portugal há apenas 11 anos.
A Partida Cruzada
«A tragédia de Alcafache». Assim descreve O Primeiro de Janeiro aquele final de tarde de 11 de setembro de 1985 na linha da Beira Alta.
O Sud-Express que leva centenas de emigrantes de volta aos seus países de acolhimento parte da estação do Porto com cerca de 17 minutos de atraso. O serviço regional com destino a Coimbra que segue na linha única tem indicação para dar prioridade ao comboio internacional.
Devido ao atraso do Sud-Express, o local do cruzamento com o comboio regional é alterado. O internacional arranca de Nelas para Alcafache. Mas o regional já tinha deixado a estação. Os dois colidem às 18h37.
As chamas deflagram nas três primeiras carruagens do Internacional e nas duas carruagens da frente do Regional. No Sud-Express viajam mais de 300 passageiros. Na composição regional seguem cerca de 40.
Em busca de uma reportagem
Um repórter de imagem da RTP é dos primeiros a chegar ao local, encontrando um cenário de terror. A forma mais rápida de fazer chegar as imagens à RTP Porto é através de avião, mas o aeródromo de Viseu não tem iluminação. O Presidente da República decreta que o povo português tem direito à informação, criando-se um plano de voo especial.
O jornalista Rui Romano comunica ao país a tragédia. As operações de salvamento são alvo de intensa cobertura por parte da RTP.
Presidente da República Ramalho Eanes e o Primeiro-Ministro Mário Soares apressam-se a chegar ao local do acidente. «Não há comentário nenhum a fazer», afirma Eanes aos jornalistas.
Com o avançar da noite são divulgadas mais informações. Ao ser questionado se já tem uma avaliação da situação, Mário Soares afirma: «Sim e felizmente menos catastrofista do que a rádio dizia», revela Mário Soares à imprensa. Ainda nessa noite é confirmado que a causa do acidente tinha sido falha humana.
O destaque mediático
Em 1985, os acidentes ferroviários não são uma raridade; só nesse ano, os jornais portugueses já tinham noticiado oito. Nenhum tem a mesma violência ou impacto mediático. O acidente domina a atenção pública nos dias que se seguem.
«O drama ainda não acabou», lê-se no Diário de Notícias ao segundo dia de reportagens. Aos detalhes arrepiantes do acidente acrescentavam-se testemunhos e histórias dos sobreviventes.
Entre as famílias separadas e as buscas frenéticas pelos desaparecidos, há espaço para histórias felizes, como a de uma família de doze membros que, à exceção de um nariz partido, consegue escapar incólume. Até o Presidente da República assume protagonismo ao auxiliar no transporte de uma das vítimas de helicóptero para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
Os bombeiros e as equipas de salvamento e limpeza só deixam o local três dias depois do acidente. Mas a cobertura mediática prolonga-se.
Entrevistado por Armando Castela, do Diário Popular, o comandante dos Bombeiros Voluntários de Canas de Senhorim critica os «números exagerados» de vítimas que a televisão e a rádio estão a avançar, contribuindo para alarmar e criar uma situação de pânico no país.
As informações oficiais apontam para 37 mortos e 170 feridos, mas o número real ainda hoje se desconhece. Cerca de uma dezena de urnas são enterradas no cemitério de Mangualde e é aberta uma vala comum junto ao local do acidente.
O veredicto
Em menos de um ano, o caso é julgado no Tribunal de Mangualde. O Tribunal concluiu que «há falha humana, mas não se provou quais ou qual deles falhou». Os funcionários foram absolvidos.
Um dos mais graves acidentes ferroviários ocorridos no país, o «11 de setembro português» continua a ser recordado pelos media.
RTP - Acidentes Ferroviários em Portugal
A SIC recupera a história na reportagem «Perdidos e Achados».
A jovem Liberdade de Imprensa
À data do acidente, em 1985, a liberdade de imprensa tem 11 anos. Alcafache é a primeira grande tragédia a ser noticiada por uma imprensa livre, tornando-se um marco do jornalismo e do fotojornalismo em Portugal.
A cobertura mediática choca o país ao divulgar imagens gráficas dos destroços e das vítimas. A partir de Alcafache, cria-se um novo precedente para o tratamento jornalístico de acidentes.