Carlos Lopes e Rosa Mota
Dois atletas de primeira água que puseram o atletismo português nas bocas do mundo. Cada um levou o ouro em diferentes edições dos Jogos Olímpicos – Carlos Lopes em 1984 e Rosa Mota em 1988.
Era para ser futebolista mas acabou como maratonista
Em criança sonhava ser jogador de futebol mas o pai achava-o demasiado franzino para tal modalidade. Por isto, tentou o atletismo para nunca mais deixar.
Correu as primeiras vezes pelos Lusitanos de Vildemoinhos - Viseu e de imediato as vitórias começaram. A primeira conquista foi aos 16 anos e, num ápice, passou de Campeão Regional a Campeão Nacional.
Estávamos em 1966 e Carlos Lopes é Campeão Nacional de Juniores nos 3000 metros. O seu talento destacou-se no panorama desportivo e um emissário do Sporting Clube de Portugal recrutou-o para o clube.
De Viseu para Lisboa, Carlos Lopes iniciou assim a carreira no atletismo profissional.
Ao serviço do Sporting foi 10 vezes Campeão Nacional de Corta-Mato, uma especialidade onde, quando estava em forma, era praticamente imbatível. Na Pista foi 5 vezes Campeão de Portugal.
Também nas pistas mundiais Carlos Lopes fez furor ao vencer três campeonatos mundiais de Corta-Mato. Muitos consideravam-no o único atleta capaz de fazer frente ao domínio que era exercido pelos atletas africanos.
Na Maratona foi Recordista da Europa, Recordista Mundial e em 1984 Campeão Olímpico. Nesta dura prova que tornou-se o primeiro português a conquistar uma Medalha de Ouro no maior evento desportivo do Mundo.
O primeiro Ouro para Portugal
Os Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, foram gloriosos para a equipa de atletismo portuguesa. Foram alcançadas três medalhas na competição. Na maratona, Carlos Lopes conseguiu o ouro e Rosa Mota o bronze. Na corrida dos 5000 metros, António Leitão alcançou o bronze.
O Diário de Notícias no dia 13 de Agosto de 1984 anunciava «Maratona de Carlos Lopes acompanhada com a maior expectativa», pois a corrida decorreu durante a madrugada em Portugal, já após o jornal ter seguido para a gráfica. Depois, surge uma segunda edição do DN, e o título a confirmar que desta vez tínhamos campeão: «Lopes traz para Portugal primeira medalha de ouro».
Oscar Mascarenhas, repórter do DN nos Jogos Olímpicos deste ano contou: «Foi impressionante de ver a parte final da corrida de Carlos Lopes, numa admirável demonstração de classe, num alarde de força que, nas condições em que a corrida foi disputada, sob uma temperatura de 29 graus, mais fazia avultar, por contraste com os seus perseguidores, a espantosa forma em que Carlos Lopes se apresentou nos Jogos Olímpicos».
O jornalista sublinhou ainda: «O que Carlos Lopes disse na ocasião e depois na conferência de imprensa já correu mundo. Não teme qualquer adversário, teme apenas as distâncias que tem de percorrer».
Portugal festejou o primeiro ouro olímpico da sua história, proeza de Carlos Lopes, de 37 anos, ainda hoje o mais veterano atleta a ter ganho a maratona olímpica e cuja marca em Los Angeles (2h09m21s) só foi batida em 2008, nos Jogos Olímpicos de Pequim, pelo queniano Samuel Wanjiru.
A chegada de Lopes a Lisboa foi apoteótica e o primeiro campeão olímpico português teve direito a churrasco com o presidente Mário Soares em Belém.
Carlos Lopes recorda pedido feito a Mário Soares: «Se eu ganhar uma medalha, não tenho direito a um churrascozinho de cabrito, aqui no vosso quintal?», apontou para o jardim de São Bento.
Mário Soares: «Você tem uma lata do caneco, mas olhe... traga lá a medalha que não é um cabrito, é um boi».
Mais tarde foi recebido pelo presidente norte-americano Ronald Reagan na Casa Branca.
A vitória de Carlos Lopes em 1984 ficou perpetuada em vídeo mas também na literatura. Manuel Alegre dedicou-lhe um poema.
«Carlos Lopes
Mais do que ser primeiro
Herói é quem
Sabe dar-se inteiro
E dentro de si mesmo ir mais além»
Rosa Mota, a incansável
Em criança, Rosa Mota nutria uma grande paixão pela natação e pelo ciclismo. No entanto enveredou pelo atletismo por ser a modalidade mais económica. Começou no FC Porto e depois passou para o CAP (Centro de Atletismo do Porto).
Em 1980 foi diagnosticada com asma de esforço. Doença a que não cedeu e com ajuda do seu amigo e médico José Pedrosa começou a treinar para correr a Maratona.
Em 1982, sagra-se campeã da Europa na Maratona de Atenas. Foi a 1ª vez que Rosa Mota correu na Maratona e foi a primeira grande vitória de Portugal nesta modalidade.
Antes da corrida, José Pedrosa disse: «Como médico fiz a reabilitação da Rosa para o Atletismo. Há ano e meio estava dada como condenada para o Atletismo. Sofria de asma do esforço».
No verão de 1987, em Roma, Rosa Mota compete no Campeonato Mundial de Atletismo. As condições climatéricas eram adversas para a atleta. José Pedrosa, agora seu treinador, gritara-lhe para abrandar o ritmo, o calor apertava e era arriscado correr tão rápido.
No fim, Rosa Mota abriu os braços e ouviu o público, que a aplaudiu de pé nas bancadas. O ouro já era dela.
«Foi, de facto, uma vitória fácil, mas, apesar de tudo, sofri bastante para suportar o calor, a humidade e algumas picadas nos tendões. O percurso era muito bonito, mas muito irregular».
Sobre as recomendações de José Pedrosa Rosa disse: «Eu abrandava quando o Pedrosa me dizia, mas 100 metros depois já ia outra vez mais rápida. Se me sentia bem, porquê abrandar?».
Cansada mas feliz confessou: «À passagem pela Praça de S. Pedro olhei lá para cima, para a janela do Papa. Sinceramente, pensei que ele lá estivesse, a ver passar a corrida. Não estava, paciência».
A Rosa que perfumou Seul
É agora ou nunca» foi a frase dirigida pelo treinador a Rosa Mota, na maratona dos Jogos Olímpicos de Seul, que marcou o início do ataque final à tão ambicionada medalha de ouro.
Portugal exigia o ouro e Rosa respondeu à demanda.
No fim revelou os conselhos do treinador e companheiro: «O Pedrosa tinha-me recomendado que, aos 38 quilómetros, se ainda fosse acompanhada, olhasse para ele. Olhei e ele disse-me - Rosa, é agora ou nunca - e eu fui-me embora... Foi mais difícil do que em Roma, os maratonistas gostam de dizer que a última maratona é sempre a melhor, mas esta...arre, parecia que nunca mais chegava o dia».
Os campeões depois dos Jogos Olímpicos
Carlos Lopes, após os Jogos Olímpicos de 1984 tinha 37 anos.
Apesar de veterano, a sua carreira continuou e em 1985, entra no Campeonato do Mundo de Corta-Mato que decorreu em Lisboa.
Antes da partida Carlos Lopes confessou «Isto vai ser...o que for. Mas, pelo menos hoje, não estou voltado para o sacrifício. Se der para o torto, marcho...vamos ver como se portam as pernas».
Lopes partiu cautelosamente, chegou-se à frente, afastou-se dos adversários e ganhou de forma majestosa. «Nunca esperei ganhar, isto para mim foi quase um milagre, foi a despedida em beleza, nunca mais voltarei a vestir a camisola da seleção Nacional».
Aos 38 anos, Lopes conquistou o terceiro título de campeão do Mundo de Corta-Mato.
Nas bancadas o Presidente da República, Ramalho Eanes, assistiu, sorridente, a mais esta vitória prestigiante de Carlos Lopes.
Carlos Lopes terminou a carreira neste ano. Deixou o Sporting e começou a correr com a camisola do Imortal de Albufeira.
Por esta equipa ganhou a Maratona de Roterdão, tendo batido o recorde existente. No final da prova Carlos Lopes desabafou: «Sinto-me satisfeito, pena foi não ter tido ajuda» e acrescenta que «Nos últimos quilómetros estive em dificuldade, cheguei a pensar que o que interessava já só era assegurar a vitória e que o record passasse muito bem. Consegui, enfim, o record do mundo que faltava no meu palmarés».
O jornal L'Équipereferiu: «Fantástico! Extraordinário! Não existem palavras suficientemente fortes para classificar a proeza de Carlos Lopes, em Roterdão. Em menos de três anos, tornou-se o primeiro homem a aproximar-se do irreal. Quem poderia pensar, há 20 anos, que um homem pudesse correr a Maratona a vinte quilómetros por hora?».
No final de 1985, já com a camisola do Imortal de Albufeira correu a São Silvestre da Amadora e voltou às vitórias. Pouco depois lesionou-se e despediu-se do Atletismo.
Em 2009, Carlos Lopes foi distinguido com prémio «atleta do centenário», pelo Comité Olímpico de Portugal.
Em entrevista ao Jornal de Notícias na ocasião do prémio, Carlos Lopes afirmou: «É uma distinção importante, pelo que fiz no passado e pela mentalidade que ajudei a criar. Creio, também, que se deve ao que representei para o atletismo e ao meu contributo para ajudar à evolução do desporto em Portugal».
Depois do ouro nos Jogos Olímpicos de 1988, Rosa Mota voltou às Maratonas.
Em 1989, durante a Maratona de Osaka a atleta foi obrigada a desistir devido a uma lesão. Rosa Mota prometeu aos japoneses que no ano seguinte correria em boa forma. Cumpriu a promessa e ganhou.
«Cheguei a ter 400 metros de vantagem, mas, aos 25 Km fortes dores abdominais quase me obrigaram a parar. Senti medo, medo de voltar a desistir, outra vez», disse Rosa Mota.
As Desavenças entre Rosa Mota e a Federação Portuguesa de Atletismo
Apesar da vitória, acontecera algo que lhe perturbara a concentração. A RTP noticiou que a Federação Portuguesa de Atletismo (F.P.A) alegava, 48 horas antes da prova, que a corredora iria correr de forma «ilegal», pois a F.P.A ainda não tinha autorizado a inscrição da atleta. Assim sendo Rosa Mota não estava federada.
José Pedrosa indignado afirma: «A F.P.A., refugiando-se em decretos, legislações e artigos quis impedir a Rosa de correr. Foi uma forma deselegante de perturbá-la. A Rosa venceu a corrida mas estava nitidamente em baixo».
Os conflitos foram resolvidos e a 30 de março de 1990, por intermédio do ministro Roberto Carneiro, Rosa Mota voltou a inscrever-se na Federação Portuguesa de Atletismo.
N’ A Bola Magazine,em setembro de 1991, pôde ler-se que Rosa Mota desistiu durante a prova do Campeonato do Mundo de Atletismo, em Tóquio, porque se ressentiu de uma operação a que fora sujeita 3 meses antes.
«Tóquio foi a maior deceção da minha vida! Aos quatro quilómetros já me sentira mal. Senti uma tristeza muito grande, não por ter perdido o título Mundial mas por não ter podido fazer aquilo que parece tão natural, correr. Parecia ter as pernas presas por correntes de chumbo».
«Se estou arrependida de ter ido a Tóquio? Sabendo o que sei é obvio que sim. Mas não sou hipócrita, continuo a pensar que não foi por causa da operação que fiz há 3 meses que aconteceu o que aconteceu. A operação não foi uma precipitação, foi uma necessidade. Uma ecografia detetou um quisto nos ovários com quase...um punho! Tive de ser operada de urgência».
Meses antes tinha ganho a Maratona de Londres, uma das provas que lhe faltava até então no currículo.
Também a esta atleta, Manuel Alegre dedicou um poema:
«Como Rosa corremos contra o tempo
E longa é a Maratona longo é o espaço
Como Rosa tentamos ganhar tempo
Enquanto o tempo foge a cada passo
Como Rosa viver é ir levar
Um recado a Miltrades. E assim
Nosso (como de Rosa) é este andar
Buscando Maratona ou outro fim
E há sempre um corredor para partir
Todo o tempo é correr ficando à tona
Do tempo andado um tempo por andar
Porque de nós (como de Rosa) é ir
Levar este recado a Maratona»
Carlos Lopes e Rosa Mota foram ambos condecorados por Mário Soares, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante. Carlos Lopes em 1984 e Rosa Mota em 1987.
Dois atletas, de gerações concomitantes, que colocaram Portugal no pódio das competições de atletismo internacionais.