Day After
Os golos e os recordes; as grandes vitórias e as pesadas derrotas. Como são noticiados pelos media os grandes eventos desportivos, depois do final da competição? O dia seguinte do espetáculo do desporto.
Mundial de 1966: As lágrimas que Inglaterra noticiou
«England in Final of World Cup», anunciava a manchete do The Daily Telegraph, a 27 de julho de 1966.
Inglaterra exultava; o país organizador do Campeonato do Mundo de 1966 tinha derrotado a Seleção portuguesa e carimbava o passaporte para a final da competição.
A acompanhar o artigo, o periódico publicava a imagem de um… jogador adversário?
«Eusébio in tears after 8 goals in 5 games», lia-se.
Oito golos em cinco jogos, que haviam tornado Eusébio na grande figura do Campeonato do Mundo.
De tal forma que, na hora da vitória, era a sua fotografia que o The Daily Telegraph decidia publicar.
Não uma imagem dos golos da vitória, não da equipa vencedora; de Eusébio, o Pantera Negra que se mostrara ao mundo no Mundial de 1966.
No dia após a semifinal, a imprensa portuguesa acordava com um espírito completamente diferente do vivido em Inglaterra: o da desilusão.
A imagem de capa, essa, era exatamente igual.
As lágrimas do herói nacional refletiam a tristeza dos adeptos portugueses.
«A classe e o brio da Seleção Nacional comprovados em Wembley», publicava o Diário de Notícias.
A vitoriosa caminhada dos portugueses na sua primeira participação num Campeonato do Mundo só foi travada pelo ímpeto da equipa anfitriã.
Um feito que os periódicos não deixaram de assinalar.
«Perder com brilho», clamava O Século, elogiando o «fôlego» e a «rapidez» de pernas da formação inglesa.
O Jornal de Notícias apontava os culpados da derrota. «Faltou sorte e força ao sonho mais lindo do futebol português», escrevia o periódico.
Destaque bem diferente dava o Diário de Lisboa.
Numa primeira página dedicada maioritariamente a notícias internacionais, a Seleção era referenciada na «Nota do Dia», um texto com uma agenda clara.
«É justo, portanto, que [os jogadores da Seleção] tenham o prémio desse esforço e que, ao regressar a Lisboa, a população lhes dispense o acolhimento entusiástico a que têm direito. Mas não devem ficar por aqui a expressão e o montante da recompensa».
Quando o jornal A Bola saiu, as feridas da derrota já tinham começado a sarar.
O periódico desportivo era publicado apenas às segundas, quintas e sábados, pelo que a primeira edição após a semifinal só saiu para as bancas dois dias depois do jogo com Inglaterra.
«Portugal salvou o Campeonato do Mundo», foi a manchete escolhida, elogiando os feitos dos «Magriços» em terras de sua Majestade.
A reportagem do enviado especial Carlos Pinhão sublinhava que «o nosso jogo com a Inglaterra restaurou o prestígio da prova».
Prova essa que se aproximava do final.
A 28 de julho, Portugal defrontou e venceu a U.R.S.S., conquistando o terceiro lugar do Mundial.
Foi esse o acontecimento que o Record preferiu destacar, na primeira edição a ser publicada depois da derrota com os ingleses.
O jornal saía às terças-feiras e aos sábados, pelo que só quatro dias depois da semifinal os portugueses puderam ler a cobertura do Record.
A derrota passou praticamente desapercebida entre os bem mais lisonjeiros elogios à conquista da terceira posição, «um lugar com que não se sonhava», escreveu Amadeu José de Freitas.
Um espírito de elogio e surpresa comum à cobertura noticiosa portuguesa de um dos dias mais negros da história desportiva portuguesa, imortalizado no sistema mediático pelas lágrimas de Eusébio.
Euro 2004: A final europeia e o treinador encarnado
«Trapattoni assina hoje», lia-se na manchete do jornal A Bola, a 5 de julho de 2004.
No fundo da primeira página, quase desapercebido, podia ver-se um cabisbaixo Luís Figo, afastando-se da taça europeia que escapara à equipa das Quinas.
O Campeonato Europeu de futebol, organizado em Portugal, terminara com uma derrota por 1-0 frente à Grécia.
Um resultado que deixara os adeptos nacionais de rastos.
A competição envolvera os portugueses numa campanha sem precedentes de apoio à Seleção Nacional.
E os «meninos» de Scolari tinham correspondido, chegando à final da prova.
Tratava-se da primeira presença da equipa na final de uma competição internacional, e os portugueses acreditavam.
Mas um golo do avançado grego Charisteas silenciou o estádio da Luz e ditou o fim das aspirações nacionais.
«Faltou estofo», acusava O Jogo.
Na capa do periódico, a derrota portuguesa também dividia atenções com a contratação do novo treinador encarnado.
«A Grécia é campeã da Europa e Portugal tem de contentar-se com o facto de ter sido o último a perder. Mas como já tinha sido o primeiro... há mais culpas do que desculpas», criticou o periódico.
Uma abordagem oposta à do rival Record. «Portugal orgulha-se de vocês», declarava o diário desportivo.
Cristiano Ronaldo, então com 19 anos, e as suas lágrimas, faziam capa no Record, acompanhados pelas expressões apreensivas de Pauleta e Miguel.
«Chega agora o momento em que a festa dá lugar à tristeza, num desfecho inesperado em que poucos apostariam», escreveu o jornal.
Também o Público era elogioso da prestação portuguesa.
«Valeu a pena», era a expressiva manchete, que encimava a foto de um desconsolado Rui Costa.
O número 10 português também era figura central nas capas do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias.
De costas, cabisbaixo, e rodeado pelos símbolos da festa grega, Rui Costa era reconfortado pela equipa técnica.
O «maestro» representara a equipa das Quinas pela última vez e deixara fugir por entre os dedos o título europeu.
A capa do Correio da Manhã deu destaque a outro protagonista da equipa portuguesa.
Luís Figo, levando as mãos à cabeça, numa imagem que exprimia o fim do sonho português.
«Foi pena que a Seleção não tivesse jogado a final sempre com a vontade e a determinação da última meia hora, período em que criou algumas oportunidades e obrigou a Grécia a recuar», lamentou-se o diário.
O descontentamento luso contrastava com a festa grega.
A imprensa helénica pintava-se de azul e branco para comemorar a conquista do Euro 2004.
Imagens das celebrações enchiam as capas dos jornais, festejando uma vitória que se tornava ainda mais doce por ser tão inesperada.
A Seleção Nacional da Grécia nunca antes tinha vencido um Campeonato Europeu.
Lado a lado com os jogadores que tinham disputado a partida, surgiam outros protagonistas; os portugueses que, em todo o mundo, tinham acreditado e sofrido até ao fim com a Seleção das Quinas.
Rostos e vozes anónimos que chegavam às páginas da imprensa portuguesa, representando a esperança nacional no primeiro título português em competições internacionais.
Em campo estava mais do que uma equipa; estava a crença de um país.
Um país que continua sem esquecer a mais mediática das derrotas futebolísticas portuguesas.
Jogos Olímpicos de 2008: Triplo salto para a primeira página
Quem chegasse às bancas portuguesas a 22 de agosto de 2008 iria deparar-se com uma visão rara.
Dois dos principais diários desportivos publicavam capas onde o futebol tinha deixado, temporariamente, de ser o desporto-rei.
O autor do feito tinha um nome… e uma marca.
Nelson Évora, 17,67 metros.
No dia anterior, o atleta português conquistara a medalha de ouro em triplo-salto nos Jogos Olímpicos de Pequim.
O hino português tinha voltado a soar na arena olímpica; 12 anos depois, Portugal conquistava novamente uma medalha de ouro.
Uma vitória que projetou, mais do que nunca, Nelson Évora na arena mediática.
A exceção foi o jornal Record.
O periódico optou por dar destaque a Reyes, novo reforço benfiquista, relegando a vitória de Nelson Évora para o topo da página
A hegemonia futebolística não tinha sido eclipsada pela vitória olímpica.
Nos diários generalistas, a medalha do atleta foi assunto de primeira página.
Nelson Évora e os seus «17.67 de ouro» dividiram a capa do Jornal de Notícias com chamadas de capa para temas de política, sociedade e… futebol.
No Diário de Notícias, mais uma imagem vitoriosa de Nelson Évora.
O jornal destacava o «Salto de ouro sobre o pessimismo» do desportista olímpico.
O Correio da Manhã publicava imagens da prova que valera o ouro ao atleta português e puxava para capa declarações na primeira pessoa: «É um orgulho imenso dar esta alegria a Portugal».
As palavras do campeão olímpico eram reproduzidas pelos periódicos; dos desportivos aos generalistas, os jornais faziam uma cobertura detalhada da prova e compilavam as reações à vitória.
O percurso do jovem de 24 anos, que se tornara o quarto campeão olímpico português, era analisado ao detalhe pelos media nacionais.
Uma atenção mediática que se alargou à sua família. Vários meios reportaram a forma como os familiares de Nelson Évora acompanharam a vitória do atleta.
Uma conquista que o tornou num dos rostos mediáticos do sucesso olímpico português.
Uma conquista que o tornou num dos rostos mediáticos do sucesso olímpico português.
Mundial 2014: Quando falta a manchete
«Não vai ter capa».
Caso irónico, talvez inédito, com certeza raro: um jornal que se recusa a dar notícias. A 9 de julho de 2014, o Meia Horanão tinha palavras para os seus leitores.
Não era caso único: a imprensa brasileira estava de luto.
No dia anterior, a Seleção Nacional sofrera a mais pesada derrota da sua história.
A Alemanha atropelara os canarinhos por 7 a 1 no Mineirão, uma partida a contar para as semifinais da Copa do Mundo. Uma competição - a agravar a ofensa - organizada pelo Brasil.
A nação que alimentava o sonho do «hexa» caía de joelhos perante a formação germânica.
A imprensa solidarizava-se com os adeptos.
O luto, a vergonha, o vexame a humilhação. O léxico era variado, mas o sentimento era o mesmo.
A desolação atravessava tipos de publicação e géneros jornalísticos; era tema nacional e inevitável.
As técnicas utilizadas eram variadas, das capas negras ao apelo à memória coletiva – não ao passado vitorioso da equipa nacional, mas às grandes derrotas.
«Parabéns aos vice-campeões de 1950, que sempre foram acusados de dar o maior vexame do futebol brasileiro», publicava o jornal Extra.
«Ontem, conhecemos o que é vexame de verdade».
No país dos adversários, as capas contavam outra história.
“Ohne Worte!” [«Sem Palavras!»], anunciava o jornal Bild.
As imagens dos jogadores invadiam as primeiras páginas. O resultado dilatado reforçava a confiança dos germânicos, que partiam em alta para a final da prova.
Mas nem todos os jornais davam destaque à partida.
Um facto para o qual não foi indiferente a diferença horária entre os países: quando o jogo terminou, era final de tarde no Brasil. Na Alemanha, era noite cerrada.
Horários muito diferentes, condicionando o ritmo de produção jornalística e de impressão dos jornais.
Com a vantagem do tempo do seu lado, a imprensa brasileira preparou-se para noticiar uma das mais sofridas derrotas da história da Seleção.
Poucos eram os jornais que colocavam outros temas na primeira página; de forma mais ou menos notória, a imprensa parecia sofrer com os brasileiros.
Fotografias expressivas, manchetes apelativas, capas que correram mundo.
O dia depois da derrota; o dia no qual a imprensa brasileira foi obrigada a publicar a notícia que ninguém no país queria ler.