Guerra del fútbol

2 equipas9 golos, 270 minutos1 guerra, 100 horas2 a 6 mil mortos. Em junho de 1969, dois países unidos pela sua geografia e história defrontaram-se em campo pela qualificação para o Mundial do México de 1970. Três jogos de futebol que terão contribuído para dar origem a uma guerra fora das quatro linhas.

O primeiro tiro da guerra futebolística

«Guerra Futbolística: El Salvador y Honduras Buscan su Calificación». Em junho de 1969, as primeiras páginas da imprensa de El Salvador e das Honduras eram dedicadas ao mesmo acontecimento: o apuramento para o Mundial do México de 1970.

A equipa salvadorenha chegou às Honduras para disputar a primeira partida. A receção não foi calorosa.

«La noche anterior al juego no nos dejaron dormir, llevaron música, llevaron cohetes y todo para que no durmiésemos bien y obviamente en el partido estuviésemos desvelados» [«Na noite anterior ao jogo não nos deixaram dormir, levaram música, levaram foguetes e tudo para não dormíssemos bem e, obviamente, que, no jogo, estivéssemos cansados»], recorda o avançado Mauricio «Pipo» Rodriguez.

 

 

A imprensa nacional publicou relatos do clima de tensão vivido pelos adeptos. «Hostiles en Honduras com los salvadoreños» [«Hostis em Honduras com os salvadorenhos»], escreveram as publicações.

A equipa da casa acabou por vencer. «La Selección de Honduras solo pudo ganar 1-0 a El Salvador» [«A Seleção das Honduras só conseguiu ganhar por 1-0 a El Salvador»], escreveu o jornal salvadorenho El Mundo, tentando minimizar a derrota.

Amelia Bolanios assistia à partida pela televisão, em San Salvador. Quando as Honduras marcaram o golo da vitória, no último minuto de jogo, a jovem de 18 anos levantou-se, correu até à escrivaninha onde estava o revólver do seu pai, e disparou sobre o seu coração.

«Una joven que no pudo soportar la humillación a la que fue sometida su patria» [ «Uma jovem que não pôde suportar a humilhação a que foi sujeita a sua pátria»], escreveu, no dia seguinte, o El Nacional, um jornal de San Salvador.

Tinha sido disparado o primeiro tiro da guerra futebolística.

Para os salvadorenhos, tratava-se de uma questão de honra. Para o resto do mundo, nem por isso.

«Nadie en el mundo prestó atención» [«Ninguém no mundo prestou atenção»], escreveu Ryszard Kapuscinski. O jornalista polaco estava destacado no México e era o único repórter de uma nação comunista no país.

Em El Salvador, o funeral de Amelia Bolanios foi transmitido na televisão e contou com honras de Estado; a jovem tornava-se uma mártir nacional. As manifestações de nacionalismo faziam crescer a espectativa para a partida da segunda mão.

A retaliação salvadorenha

«Hondureños llegaron hoy» [«Hondurenhos chegaram hoje»], lia-se na capa do Diario Latino a 13 de junho. A chegada dos adversários foi acompanhada pela imprensa salvadorenha com detalhe… e patriotismo.

«Un diario, El Mundo de El Salvador, nos tomó una foto en el aeropuerto y luego nos pusieron un huesito en la nariz, como a los caníbales» [«Um diário, El Mundo de El Salvador, tirou-nos uma foto no aeroporto e logo puseram-nos um osso no nariz, como aos canibais»], refere o jogador Rigoberto la Shula Gómez

Os salvadorenhos retribuíram a receção hostil que tinham tido nas Honduras.

«Esta vez el equipo hondureño pasó una noche sin dormir. La muchedumbre rompió todas las ventanas del hotel y lanzó adentro huevos podridos, ratas muertas y trapos que apestaban» [«Desta vez, a equipa hondurenha passou uma noite sem dormir. A multidão partiu as janelas do hotel e atirou para dentro ovos podres, ratazanas mortas e trapos que cheiravam mal»], escreveu Kapuscinski.

O Exército rodeava o estádio, com cordões policiais a separarem a multidão. «En vehículos de la fuerza Armada hizo su entrada al estadio de Flor Blanca la Selección de Honduras» [«Em veículos da Força Armada, entrou no estádio de Flor Blanca a Seleção das Honduras»], escreveu uma publicação salvadorenha.

Os adeptos vaiaram o hino hondurenho. A bandeira do país foi queimada diante dos espetadores; em vez dela, foi hasteado um trapo em farrapos. O público delirava e o apito inicial ainda nem tinha soado.

A seleção da casa venceu por três bolas a zero, mas a prioridade dos hondurenhos era regressar a casa em segurança. «Fuimos terriblemente afortunados al perder» [«Tivemos muita sorte em perder»], afirmou Mario Griffin, treinador da equipa visitante.

Apesar do resultado favorável aos salvadorenhos, a violência alastrou-se às ruas. Dezenas de adeptos hondurenhos foram agredidos e chegaram a registar-se duas mortes.

Com uma vitória para cada lado, o jogo decisivo iria ser disputado em campo neutro: o estádio Azteca, no México.

À data da partida, o conflito azedava: El Salvador rompia as relações diplomáticas com as Honduras e fechava as fronteiras.

A recente expulsão levada a cabo pelo Governo das Honduras de 300 mil camponeses salvadorenhos dera início a uma crise diplomática.

El Salvador acusava os hondurenhos de genocídio.

Os dois países começavam a mobilizar as suas tropas. Através dos media, os Governos de ambos os países incitavam o nacionalismo e convenciam as populações da necessidade de travar a guerra.

«Llegó al genocidio la guerra del fútbol» [«Chegou o genocidio à guerra de futebol»]; «Fútbol aquí: guerrita, allá» [«Futebol aquí, guerrita lá»]. Desporto e guerra partilhavam as páginas dos periódicos mexicanos.

A 27 de junho de 1969, as equipas entravam em campo para o duelo decisivo. Terminados os 90 minutos regulamentares, registava-se um empate a dois golos.

Durante o prolongamento, Mauricio «Pipo» Rodriguez bateu o guarda-redes hondurenho e atirou para a baliza, marcando «el gol que dio el triunfo a El Salvador» [«o golo que deu o triunfo a El Salvador»], como descreveu o jornal El Sol de México.

El Salvador ultrapassava as Honduras no apuramento para o Campeonato do Mundo de 1970.

 

 

Das quatro linhas para o campo de batalha

Duas semanas depois do jogo, a tensão atingia o seu auge. A 14 de julho de 1969, El Salvador atacou as Honduras.

«Al anochecer un avión voló sobre Tegucigalpa y arrojó una bomba. […] El pánico barrió la ciudad. […] Luego hubo silencio y todo quedó quieto. Era como si la ciudad hubiera muerto» [«Ao anoitecer um avião voou sobre Tegucigalpa e atirou uma bomba. […] O pânico varreu a cidade. […] Depois fez-se silêncio e tudo ficou quieto. Era como se a cidade tivesse morrido»] reportou Ryszard Kapuściński.

O jornalista polaco escreveu a sua reportagem às escuras, ansioso por enviar notícias no único telex da cidade. «En ese momento era el único corresponsal extranjero allí y que podría ser el primero en informar al mundo sobre el inicio de la guerra en América Central» [«Naquele momento, era o único correspondente estrangeiro ali e podia ser o primeiro a informar o mundo sobre o início da guerra na América Central»].

As Honduras retaliaram. «Guerra no declarada en Centroamérica» [«Guerra não declarada na América Central»], escrevia El Comercio, a 16 de julho.  

«Los dos gobiernos estaban satisfechos de la guerra, porque durante varios días Honduras y El Salvador habían ocupado las primeras planas de la prensa mundial y habían atraído el interés de la opinión pública internacional» [«Os dois Governos estavam satisfeitos com a guerra, porque durante varios días Honduras e El Salvador tinham ocupado as primeiras páginas da Imprensa mundial e tinham atraído o interesse da opinião pública internacional»], escreveu o jornalista Ryszard Kapuscinski.

As hostilidades duraram 100 horas.

«Logran Cese de Fuego; Tregua se Inició Hoy» [«Conseguem cessar-fogo; trégua tem início hoje»], anunciava o jornal Prensa Libre. A Organização dos Estados Americanos (OEA) negociara o cessar-fogo, que entrou em vigor em 20 de julho de 1969.

«La guerra del fútbol duró cien horas. El balance: seis mil muertos, veinte mil heridos. Alrededor de cincuenta mil personas perdieron sus casas y sus tierras. Muchas aldeas fueron arrasadas” [«A guerra do futebol durou cem horas. O balanço: seis mil mortos, vinte mil feridos. Cerca de cinquenta mil pessoas perderam as suas casas e as terras. Muitas aldeias foram arrasadas»], descreveu  Kapuscinski.

O conflito nas bancas

O conflito ficou imortalizado na imprensa – em especial na cobertura de Ryszard Kapuściński – como Guerra del Fútbol. Um nome enganador.

«Mucha gente todavía cree, erróneamente, que eso fue una causa que incidió para la guerra» [«Muita gente continua a acreditar, de forma errada, que isso foi uma causa para dar origem à guerra»], acredita Mauricio «Pipo» Rodriguez, autor do golo da vitória salvadorenha.

 

 

Mesmo antes do confronto futebolístico, a relação entre as nações era tensa. A crise diplomática tinha sido causada por temas de migração, economia e territórios. O futebol agudizou as disputas antigas e serviu de instrumento para motivar a população para uma guerra há muito anunciada.

Apesar do conflito, a bola continuou a rolar. El Salvador estreou-se no Campeonato do Mundo de 1970, no México. A Seleção não conquistou nenhum ponto, sofrendo 9 golos em três jogos e ficando-se pela fase de grupos.

As feridas entre os dois países tardaram em sarar; o tratado de paz só foi assinado em 1980.

«Con la firma de un tratado de paz que redefine sus fronteras, El Salvador y Honduras dieron término ayer oficialmente a la guerra declarada hace once años entre ambos países» [«Com a assinatura de um tratado de paz que redefine as suas fronteiras, El Salvador e Honduras deram ontem oficialmente por terminada a guerra declarada há onze anos entre ambos os países»], escreveu El Pais.

Uma reconciliação irónica, para Tonín Mendoza, capitão da equipa hondurenha em 1969.

«Honduras rompió relaciones con El Salvador por 10 años. Para iniciarlas se organizó un partido. Lo que son las cosas, ¿no?» [«Honduras cortou relações com El Salvador durante 10 anos. Para as iniciar, organizou-se um jogo. O que são as coisas, não?»]