Retratar a emoção do Desporto

O Jornalismo Desportivo do passado e o de hoje têm, em comum, a dedicação a uma mesma missão: retratar a emoção dos grandes acontecimentos desportivos

«Uma quantidade enorme de pessoas foi hoje ao Campo Pequeno assistir ao desafio, entre ingleses e portugueses, de futebol. […] O resultado do jogo foi muito lisonjeiro para os nossos compatriotas que conseguiram ganhar. […] Quase toda a gente, findo o futebol, foi passear ao Jardim Zoológico, onde se exibia a persa Mirra, a mulher peluda». 

Em janeiro de 1889, o Jornal do Comércio publicava um artigo intitulado «O Match do Campo Pequeno – A Mulher Peluda no Jardim Zoológico».

Um relato de futebol chegava, pela primeira vez, às páginas da imprensa portuguesa.

A inexistência de uma prática desportiva regular e diversificada levava a que as primeiras publicações se centrassem em atividades tradicionais, como a tauromaquia, a ginástica, a caça e o ciclismo.

À época, o termo «desporto» ainda não existia, optando-se pela palavra inglesa “sport”.

No resto da Europa, a incursão do jornalismo pelo mundo do desporto teve início na década de 1850.

Nos Estados Unidos, embora já se tivessem escrito artigos sobre eventos desportivos, o primeiro jornal a contratar um editor para esta secção foi o New York World de Joseph Pulitzer, em 1883.

A «causa desportiva»

Em Portugal, O Sport, publicado em 1894, é considerado o primeiro periódico com um título genérico, sem ligação a uma modalidade específica, e dedicado a conteúdos desportivos diversificados.

A publicação do jornal foi interrompida poucos meses depois.

O caso não era único; a longevidade das publicações desportistas generalistas era geralmente curta, devido à falta de leitores – em 1911, a taxa de analfabetismo em Portugal era de 75 por cento – e à escassa publicidade.

O jornalismo desportivo não existia enquanto profissão e muitas publicações eram criadas por membros da elite nacional, com o objetivo de promover as modalidades desportivas que praticavam.

As publicações da época estavam unidas pelo desejo de trabalhar em prol da «causa desportiva».

A publicação Os Sports Illustrados organizou eventos como os Jogos Olímpicos Nacionais e a Grande Parada Ciclista de 1910, tendo em vista a democratização do desporto.

Alheia aos organizadores não seria a experiência do jornal francês L'Auto, que promovera, em 1903, a Tour de France.

A prova tivera um sucesso estrondoso, que se refletiu nas vendas do periódico e no espírito da nação, para a qual os ciclistas em verdadeiros heróis.

A pioneira imprensa desportiva e os seus agentes desempenhavam, assim, um papel essencial na implantação, organização, institucionalização e popularização da prática desportiva e de educação física.

Um esforço que, em Portugal, uniu os grandes nomes da imprensa desportiva e generalista na Associação dos Jornalistas Sportivos, criada em 1911.

No início de 1912, perante a impossibilidade de o Governo financiar uma equipa nacional para participar nos Jogos Olímpicos de Estocolmo, o Comité Olímpico Português e a Associação de Jornalistas Sportivos encetou uma campanha de angariação de fundos, que permitiu enviar seis atletas nacionais para a Suécia.

Os anos 20 assistiram a uma consolidação do jornalismo desportivo e a uma expansão da imprensa especializada nesta área.

O futebol obtinha cada vez mais destaque na imprensa nacional e as rivalidades entre a imprensa do Norte e do Sul do país tornavam-se evidentes.

Contudo, os jornais desportivos tinham dificuldade em fazer face às despesas de produção e impressão, o que se refletia em sucessivos aumentos do preço de capa.

Os jornais desportivos enfrentavam ainda a forte concorrência das secções desportivas da imprensa diária, que não só tinham maiores recursos, como recorriam a uma extensa rede de correspondentes.

Sob o olhar da censura

O final dos anos 20 viu nascer as primeiras retransmissões radiofónicas de eventos desportivos em direto, um pouco por toda a Europa.

Nos anos 30, a rádio popularizava-se em Portugal e os jornais mostravam interesse neste novo meio de comunicação.

Em junho de 1930, a secção desportiva do Diário de Notícias utilizou a emissora lisboeta CT1DE para a realização de um serviço de reportagem radiofónica, transmitindo um jogo de futebol.

A imprensa desportiva não era alheia à situação política do país.

No final dos anos 30, devido à Guerra Civil espanhola, a censura deu indicação à imprensa para não utilizarem o termo «vermelhos» para se referirem ao Benfica, evitando conotações com os comunistas («rojos») que combatiam em Espanha.

Mas a intervenção da censura na imprensa portuguesa não se ficava por aí.

No início de 1938, três internacionais portugueses recusaram-se a fazer a saudação fascista antes de um jogo entre Portugal e Espanha.

Incentivada pela censura, a revista Stadium editou a foto, de forma a que os jogadores parecessem estar de mão estendida.

De entre os nomes do desporto que não vergavam perante o Estado Novo estava Cândido de Oliveira.

Antiga estrela do futebol português e jornalista consagrado, regressara há poucos meses da prisão do Tarrafal.

Com Vicente de Melo e Artur Rebelo fundou o jornal A Bola, com o subtítulo «Jornal de Todos os Desportos».

Quatro anos depois nasceu, outra publicação que fez história na imprensa desportiva portuguesa: o Record.

Manuel Dias, vendedor de jornais e antigo atleta olímpico, foi o principal impulsionador do projeto, a que se juntaram Fernando Ferreira e Monteiro Poças.

 

 

Destaque ainda para a criação do jornal O Jogo, que viria a surgir quase quatro décadas depois, a 22 de fevereiro de 1985.

No panorama internacional, a concorrência entre periódicos desportivos também se intensificava.

A 16 de agosto, 1954, era fundada nos Estados Unidos a Sports Illustrated, que pretendia ser “not a sports magazine, but the sports magazine” [«não uma revistade desporto, mas a revista de desporto»].

A revista tornou-se num dos casos de maior sucesso e longevidade da imprensa desportiva.

A caixinha mágica

As Olimpíadas de Berlim, em 1936, marcaram a primeira emissão de televisão e a primeira cobertura em direto de um evento desportivo.

 

 

Nos Estados Unidos, as décadas de 50 e 60 assistiram a um rápido aumento da cobertura desportiva nos meios de radiodifusão.

O futebol americano e o basebol, em particular, tornaram-se verdadeiros espetáculos desportivos.

Foram ainda criadas agências de notícias e fotografia dedicadas ao desporto, como a agência fotográfica AllSport, fundada por Tony Duff.

O desporto também começava a dar cartas no meio audiovisual português.

Durante a primeira emissão regular da RTP, a 7 de março de 1957, Domingos Lança Moreira fez um comentário sobre futebol, na rubrica «Miradoiro».

Entre o final dos anos 60 e o início da década de 70, a percentagem de tempo de antena na RTP dedicada ao desporto subiu significativamente.

Em 1972, os programas desportivos da RTP ocuparam 409 horas de emissão (em comparação com as 380 horas do Telejornal), sobretudo devido às transmissões diretas dos Jogos Olímpicos de Munique.

O desporto-espetáculo

O início da televisão privada em Portugal levou a que o desporto se tornasse um conteúdo estratégico utlizado na luta pelas audiências.

Em 1998, a Sport TV, o primeiro canal de acesso condicionado dedicado ao mundo do desporto, revolucionou o panorama do audiovisual no desporto português

Transitou-se para a era do desporto-espetáculo; a atividade desportiva – em particular o futebol – como um acontecimento que move multidões.

O desenvolvimento das redes sociais abriu novas plataformas para o debate desportivo.

Durante a primeira semana do Campeonato Mundial de Futebol de 2014, foram registadas mais de 459 milhões de publicações, «gostos» e comentários no Facebook.

Estima-se que 81 por cento do público prefere a Internet para se informar  sobre notícias desportivas.

Nos últimos 150 anos, o desporto mudou e a imprensa desportiva mudou com ele.

A função tripartida dos primeiros percursores do jornalismo desportivo (praticante, fazedor de notícias e patrocinador do periódico) foi totalmente transformada com a profissionalização das redações.

De uma atividade de elite do final do século XIX ao desporto-espetáculo do século XXI, a atividade desportiva tornou-se um fenómeno de massas, que reúne atenção mediática por todo o mundo.

 

«Em toda a luta de desporto, mesmo quando o não parece, há sempre uma alma. O jornalista desportivo é aquele que a sabe descobrir e descrever».

Os Sports, 25 de fevereiro de 1942