A chama do dragão nortenho
Os adeptos entoam o seu nome, as suas palavras fazem primeiras páginas, o seu rosto torna-se no símbolo de um clube. Pinto da Costa não marca golos, não joga à baliza nem a número 10, mas é a referência maior do Futebol Clube do Porto. Há mais de três décadas ao leme dos dragões, o líder azul e branco soma títulos… e polémicas.
Do alto da tribuna do estádio do Dragão, de gravata azul e olhos no campo, Pinto da Costa assiste a mais uma partida do «seu» Futebol Clube do Porto. Dentro das quatro linhas estão mais do que 22 jogadores; está um clube cuja mística já se confunde com o seu próprio nome.
Mais de 30 anos de presidência, mais de 30 anos de vitórias – e alguns desaires –, mais de 30 anos de controvérsia. Pinto da Costa é uma figura incontornável do futebol português.
O dragão levanta voo
No início dos anos 70, a secção de hóquei em patins do Futebol Clube do Porto ganhava um novo chefe. Jorge Nuno Pinto da Costa, então com 35 anos, integrava oficialmente a estrutura do seu clube de sempre. Mudou-se para o futebol em 1976 e demorou apenas duas épocas a conquistar o título nacional, que escapava aos dragões desde 1959. Tinha início uma nova era no Futebol Clube do Porto.
Com oito anos, assistiu ao seu primeiro jogo no Campo da Constituição, um FC Porto x Sporting de Braga. Aos 16 anos, em dezembro de 1953, tornou-se sócio do clube azul e branco.
Pinto da Costa foi eleito presidente do Futebol Clube do Porto a 17 de abril de 1982, tornando-se o 33.º líder dos azuis e brancos.
Presidente há mais de três décadas, detém o recorde do mais longo mandato à frente de um clube em Portugal.
Idolatrado pelos adeptos, Pinto da Costa tornou-se o rosto do orgulho portista. Sob a sua alçada, o clube tornou-se numa das grandes referências internacionais do futebol luso.
A sua liderança carismática revolucionou o desporto nacional; uma revolução que não passou despercebida a Lennart Johansson, ex-Presidente da UEFA: «o mapa do futebol português foi virado de pernas para o ar».
Durante a sua presidência, o Futebol Clube do Porto conquistou mais de 50 títulos no futebol, incluindo duas Taças dos Clubes Campeões Europeus/Liga dos Campeões (1987 e 2004), duas Taças UEFA/Liga Europa (2003 e 2011) e uma Supertaça Europeia (1987).
Só Campeonatos Nacionais, já venceu 18, cinco dos quais consecutivos, um feito inédito em Portugal. É o presidente com mais títulos conquistados no futebol mundial.
A A1 do desporto-rei
«Lisboa não pode continuar a colonizar o resto do País. O desejo deles é que o FC Porto desça de divisão». As palavras de Pinto da Costa ilustram a rivalidade – mais antiga e profunda do que o futebol – que divide norte e sul do país, ilustrada num clássico centenário: FC Porto vs. Sport Lisboa e Benfica.
A relação de Pinto da Costa com o presidente dos encarnados, Luís Filipe Vieira, começa até com algo em comum: o cartão de sócio do Futebol Clube do Porto.
«Toda a gente sabe […] que tivemos uma relação de amizade, que ele ia festejar as vitórias do Porto», recorda o líder dos dragões.
O presidente dos encarnados retalia: «Não preciso do Benfica para viver, o engenheiro-chefe […] precisa desse clube para viver e para não ser engavetado».
Relações tensas – sempre tensas –, mas que atingiram um novo pico na época 2010/2011, quando o FC Porto conquistou o campeonato nacional no estádio da Luz. «Foi diferente porque eu nunca tinha festejado um título às escuras», declarou Pinto da Costa.
Luís Filipe Vieira respondeu, acusando o FC Porto de ter uma história feita de «corrupção e compadrio». Pinto da Costa voltou a provocar, manifestando o desejo de manter o estádio da Luz como o salão de festas dos dragões.
Domar o leão, amansar a pantera
Do outro lado da Segunda Circular, Sporting Clube de Portugal completa a trilogia dos grandes do futebol português e é outro dos principais adversários do FC Porto, dentro e fora de campo.
A chegada de Bruno de Carvalho à presidência dos leões, em 2013, trouxe novos contornos a uma relação já de si pouco amigável.
João Moutinho, jogador formado no Sporting e transferido para o Futebol Clube do Porto, esteve no epicentro da polémica.
A venda do médio ao Mónaco por 25 milhões de euros motivou uma troca de galhardetes entre os dois presidentes.
«Considerar que […] o vendemos por mais do dobro, a “maçã podre” transformou-se numa maçã bastante apetecível», considerou Pinto da Costa.
Bruno de Carvalho afirmou que o líder azul e branco estava a perder capacidades. «O Sporting não conhece muito frutas, […] agora há uma coisa que nós temos a certeza absoluta: é que não somos bananas».
A norte, Pinto da Costa também coleciona inimizades, protagonizando uma rivalidade centenária com o Boavista FC. «Há gente que está a mais no futebol e deve cumprir aquilo que faz e deve realmente abandoná-lo», atirou o presidente azul e branco. João Loureira, líder do Boavista, não deixou a coisa por menos. «Penso que será talvez a pessoa em Portugal que mais fala do Boavista; deve ser o senhor Pinto da Costa».
O dragão e as quinas
A relação de Pinto da Costa com a Seleção Nacional também não é pacífica. O caldo entornou quando o então selecionador nacional Luiz Felipe Scolari não convocou o guarda-redes do FC Porto, Vítor Baía, para o Euro 2004, uma decisão muito contestada.
Anos depois, o técnico brasileiro revelou que Pinto da Costa tinha uma palavra a dizer sobre as escolhas para a Seleção Nacional. «Toda a gente sabe que ele tem grande influência. […] Ele pode opinar sobre um ou outro jogador», explicou.
A polémica manteve-se quando Paulo Bento ocupou o cargo de selecionador nacional.
Pinto da Costa comentou a forma física dos jogadores do Futebol Clube do Porto utilizados na equipa das quinas.
«Quem faz o onze na Seleção Nacional sou eu e mais ninguém. […] Quem não quiser, não entende e continuará a debitar as suas postas de pescada», respondeu Paulo Bento, em conferência de imprensa.
A Federação também não escapou à língua aguçada de Pinto da Costa. O presidente acusou o organismo de causar adversidades aos clubes: «A Federação anda atrás de dinheiro […] e depois leva-nos os jogadores em altura crucial».
Farpas, acusações, indiretas e bate-bocas; mesmo fora das quatro linhas, Pinto da Costa tem a tática bem estudada.
Sanitas, rios… e apitos
Uma liderança icónica, uma presença carismática e uma comunicação peculiar. Falar de futebol português é, obrigatoriamente, falar de Pinto da Costa.
E já assim era em 1995. O líder azul e branco esteve envolvido num dos mais polémicos casos de penhoras a clubes de futebol por dívidas ao Fisco. Uma penhora que envolvia, entre outros bens… a retrete da cabina do árbitro.
«Se me disser assim: o Professor Cavaco Silva e este Governo vai governar mais quatro anos, eu digo-lhe: é uma catástrofe», atacou o líder dos azuis e brancos.
Numa conferência de imprensa repleta de adeptos, o dragão cuspiu fogo: «O que se quer atingir é, se calhar, um dos últimos baluartes do norte do país».
Depois da vitória do Futebol Clube do Porto na Taça dos Campeões Europeus, em 1987, o então Primeiro-Ministro Cavaco Silva terá afirmado que «o País devia ser gerido à imagem do FC Porto».
O «centralismo» do futebol português é, aliás, tema recorrente dos ataques de Pinto da Costa. «É no poder local que nós temos de fazer a resistência com um centralismo cada vez mais absurdo», acusou o líder azul e branco.
Mas a sua própria relação com o poder local é tudo menos pacífica. Rui Rio, à época presidente da Câmara Municipal do Porto, não foi convidado para a inauguração do Estádio do Dragão.
«O único rio que nós respeitamos é o rio Douro, os outros não conseguem alagar-nos nem conseguem sequer molhar-nos os pés», afirmou o líder dos azuis e brancos.
Pinto da Costa inspirou uma das mais populares personagens do programa humorístico «Contra Informação», transmitido na RTP1.
Outro dos alvos preferenciais de Pinto da Costa é, como não podia deixar de ser, a arbitragem: «Agora os árbitros podem pôr as leis no bolso e não as aplicar», disparou o presidente do FC Porto.
A arbitragem deixou, aliás, uma nódoa na sua presidência. Pinto da Costa foi constituído arguido no caso Apito Dourado, um processo de investigação sobre a corrupção de árbitros e dirigentes do futebol português. Acabou por ser absolvido.
A Justiça pode ter arquivado o processo, mas o sistema mediático ainda não o esqueceu. O caso adquiriu contornos novelescos com o envolvimento de Carolina Salgado, ex-companheira de Pinto da Costa. Violência, suborno, sexo, todos os ingredientes que transformaram a trama em estória de primeira página e abertura de noticiário. A obra «Eu, Carolina», tornou-se um sucesso de vendas e virou filme.
O sotaque do norte, a linguagem expressiva, as expressões suis generis e o soundbite na ponta da língua tornam o líder azul e branco numa das principais figuras do desporto em Portugal.
Um dragão cujas garras deixaram a sua marca no sistema mediático nacional.