MFA vs Maioria Silenciosa

Revolução e reação no PREC

Para muitos, é um processo revolucionário bastante pacífico. Para os que o vivem, são tempos bastante conturbados que marcam um verão que dura bem mais do que os meses quentes da estação.

A Invasão

Milhares de cartazes invadiram Lisboa. A convocatória era para uma manifestação de apoio ao General Spínola. Vivia-se intensamente no rescaldo do 25 de Abril, e o setor mais conservador da sociedade portuguesa decidiu organizar uma manifestação a 28 de setembro de 1974, de apoio ao então Presidente da República. No lugar dos lábios, podia ler-se: maioria silenciosa. Fortemente visual, mas aparentemente silenciosa.

 

 

Por seu turno, o Movimento Democrático Português – Comissão Democrática Eleitoral (MDP-CDE) espalhava a sua versão destes cartazes, na tentativa de desmobilizar os populares. Estes cartazes mostravam Spínola com um ar ameaçador e de suástica ao peito, invertendo o nome da manifestação para “maioria tenebrosa”.

 

A reação das forças militares

Otelo Saraiva de Carvalho, do COPCON (uma estrutura de comando militar para Portugal continental), e o Movimento das Forças Armadas (MFA) reagem. São montadas barricadas à entrada de Lisboa, e todos os carros passam a ser revistados, pela busca incessante de armas.

Na manhã de dia 28, o MFA detinha o controlo da situação, e a manifestação da Maioria Silenciosa era impedida pela ação popular. Tudo indicava que a maioria teria de se manter em silêncio.

 

 

Paralelamente, militares do COPCON efetuaram diversas detenções de ex-governantes do Estado Novo, banqueiros, empresários e indivíduos supostamente ligados à organização da manifestação.

Dois dias antes, a corrida de touros a favor da Liga dos Combatentes, realizada no Campo Pequeno, em Lisboa, tinha mudado o curso público das tensões entre o General Spínola e o MFA. A praça, cheia e composta por setores tradicionalmente mais de direita, aplaudiu o Presidente da República, gritando “Portugal, Portugal, Portugal”. Durante o intervalo, contudo, o Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves, pertencente ao grupo dos militares próximos do PCP, foi vaiado e insultado.

 

 

Entre aplausos e apupos ao Presidente e ao Primeiro-Ministro, respetivamente, um dos cavaleiros exibe o cartaz da «maioria silenciosa», tal como relata o vespertino A Capital. Mas as tensões não se ficaram por aqui. À saída da praça de touros, rebentaram confrontos violentos entre os apoiantes de Spínola e vários contramanifestantes.

Spínola e MFA: A afirmação de uma nova discórda

As tensões entre o General Spínola e o MFA tornavam-se publicamente evidentes. O ponto de maior divergência? O processo de descolonização: embora Spínola reconhecesse o direito das colónias à autodeterminação, preconizava a realização de referendos, o que não fazia parte do programa do MFA. Adicionalmente, Spínola via os seus poderes cada vez mais limitados, uma vez que não tinha qualquer controlo sobre o governo provisório.

Após o falhanço de dia 28 de setembro, o braço de ferro entre as duas fações intensificou-se. Spínola tenta, em vão, convocar o Estado de Sítio na região de Lisboa, com o propósito de pôr fim às barricadas populares montadas. Além disso, projetou uma intervenção militar da NATO, justificada mediante o cenário de tomada do poder por setores afetos ao PCP.

Na manhã de dia 29, o ministro da Defesa, Firmino Miguel, interrompe a reunião entre a Junta de Salvação Nacional e a Comissão Coordenadora do MFA, proclamando a “existência de convulsões” graves ma margem Sul do Tejo, incluindo até o «derramamento de sangue». No entanto, Costa Gomes decide averiguar o facto pelos seus próprios olhos. Depois de uma viagem de helicóptero, Costa Gomes volta, afirmando que os relatos de Firmino Miguel não correspondiam à verdade. Os planos de Spínola viam-se gorados.

A demissão

Perante a derrota completa, Spínola declara a sua demissão do cargo de Presidente da República, diante de uma sala repleta de conselheiros e jornalistas, em direto na televisão e nas estações de rádio.

O teor do discurso do General, porém, estava longe de ser pacífico. As palavras do Presidente – que considerou “inviável a construção da democracia sobre este assalto sistemático aos alicerces das estruturas e instituições por grupos políticos cuja essência ideológica ofende o mais elementar conceito de liberdade, em flagrante desvirtuação do espírito do 25 de Abril” –, foram adjetivadas de “apocalípticas” e “catastrofistas”. O próprio Costa Gomes chegou ainda a comentar: “Se tenho imaginado que o discurso seria daquele teor, isso não teria ido para o ar!”.

 

 

Spínola retirava-se para a sua residência e Costa Gomes era nomeado novo Presidente da República pela Junta de Salvação Nacional. O General chegou a pedir asilo político junto da Embaixada de Espanha em Lisboa, mas foi recusado pelo General Franco.

No entanto, Spínola provar-se-ia obstinado. A 11 de março de 1975, intenta contra o COPCON e a fação de extrema-esquerda portuguesa, com um ataque ao Regimento de Artilharia Ligeira (RAL1), em Lisboa. Destino ou não, os planos do General saíam, mais uma vez, fracassados.

Cronologicamente pode dividir-se o período pós-25 de Abril em dois momentos-chave: os eventos até ao 11 de Março e os acontecimentos após essa tentativa de golpe – o famoso “Verão Quente”.