António Paulouro

«Dizem que eu fiz um jornal, eu digo que foi o jornal que me fez a mim». O fundador do Jornal do Fundão nasce em 1915 e, apesar de ter vivido no período do Estado Novo, mantém a publicação politicamente independente

O Fundador

Nascido a 3 de maio de 1915 no Fundão, António Paulouro ficou órfão de mãe aos cinco anos. Filho de mestre-sapateiro, aos 11 anos já angariava o seu próprio dinheiro como paquete da secretaria judicial.

A sua infância e adolescência foram vividas em clima de instabilidade do país. Do golpe militar de 28 de maio de 1926 à implantação do Estado Novo, Paulouro tornava-se, aos 14 anos, um grande ativista do salazarismo.

 

 

Tudo levava a crer que a carreira política de Paulouro estava lançada. José Hermano Saraiva, também em ascensão na altura, escolheu-o como seu aliado local, aquando da fundação do Jornal do Fundão, a 26 de janeiro de 1946.

Na sua primeira edição, lia-se no editorial «Rumo» do jornal: «No nosso posto estaremos ao lado dos que trabalham e dos que sofrem, em fraterna compreensão que não é de hoje, mas de sempre». A nova publicação prometia ser um projeto de intervenção cívica baseado na fraternidade.

 

 

Curiosamente, Paulouro, apesar de salazarista, nunca deixou que os interesses políticos se sobrepusessem à verdade jornalística. A decisão de manter o Jornal do Fundão politicamente independente custar-lhe-ia caro.

 

  

 

 

Por censurar

Em 1963, o ex-Presidente brasileiro Juscelino Kubitschek desembarca em Lisboa, a convite de António Paulouro, para conhecer o Fundão. Esta visita iria enfurecer Salazar, que fez tudo para a silenciar.

O reverso da moeda que o regime não estava à espera foi o facto de a pequena vila do Fundão ser palco da maior manifestação coletiva contra a censura e a favor de Kubitschek  de que há memória.

 

Paulouro faz o Estado Novo estremecer

A 23 de maio de 1965, o Jornal do Fundão fazia, mais uma vez, as muralhas do regime estremecerem. No lançamento do suplemento literário «Argumentos», a publicação de Paulouro relatava a atribuição do Grande Prémio da Novela, pela Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE), à obra Luuanda, de Luandino Vieira.

O inconveniente para o Antigo Regime? Luandino Vieira era um preso político detido no Tarrafal, acusado de conspiração contra o Estado Novo.

 

 

O Jornal do Fundão acabaria por ser suspenso pela Direção dos Serviços de Censura no dia 26 de maio, sob a acusação de ter publicado páginas não visadas pelos serviços. No entanto, o delegado distrital da censura admitiu que todo o jornal tinha sido verificado antes da sua publicação. 

O Jornal do Fundão saiu das bancas e das casas dos assinantes, mas com a vontade de Paulouro e de abaixo-assinados, o semanário regressou às bancas no dia 28 de novembro de 1965.

Esta não era a primeira desavença de Paulouro com o Estado Novo. Em 1950, o jornalista foi convidado para a Vice-Presidência da Câmara Municipal do Fundão, mas, em 1958, desistia do cargo, por divergências profundas com o regime.

O que é certo é que, após o caso Luuanda, o semanário passou a ser alvo de uma apertada vigilância por parte do «Lápis Azul» até 1974.

 

Depois da revolução, uma lufada de ar fresco

Após o 25 de Abril, o jornalista participaria como deputado nas listas do PRD pelo círculo de Castelo Branco, e candidato por diversas vezes na lista do PS. Em 1985, o Presidente da República condecorou-o com a Ordem da Liberdade.

Onze anos mais tarde, o Sindicato dos Jornalistas fez de António Paulouro seu membro honorário, imortalizando o seu legado e o seu notável contributo para o jornalismo.

Paulouro morreu em 2002.A cidade do Fundão, através da Câmara Municipal, homenageou o jornalista, erguendo um monumento em granito, em sua honra, em 2010.

 

 

Atualmente, o Jornal do Fundão permanece como o «mais lido semanário das Beiras». Além disso, a sua projeção nacional e a sua penetração junto das comunidades portuguesas no estrangeiro é inegável.

O jornalista tornou-se numa ilustre figura de resistência à opressão política do Estado Novo. De palavras aguçadas e ousadas, os seus textos desafiavam constantemente a censura.Tudo devido à intervenção política assinalável de António Paulouro.