Eça de Queiroz

O seu nome está escrito na história da Literatura portuguesa, mas Eça de Queiroz também se destaca enquanto jornalista. Do Distrito de Évora ao Diário de Notícias, os seus textos marcam o Jornalismo do Séc. XIX

José Maria Eça de Queiroz nasceu a 25 de novembro de 1845, na Póvoa de Varzim.

Foi registado como filho de mãe incógnita, uma vez que, na altura, os seus pais, o magistrado José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz e Carolina Augusta Pereira de Eça, não eram casados.

Frequentou o Colégio da Lapa, no Porto, onde faz a escolaridade obrigatória.

Em 1861, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde conheceu intelectuais como Teófilo Braga e Antero de Quental.

Já formado em Direito, instalou-se, em 1866, em Lisboa e começou a colaborar com periódicos da capital.

Ainda em 1886, Eça deu início à publicação de folhetins no jornal Gazeta de Portugal, onde conheceu Jaime Batalha Reis.

O final do ano de 1866 trouxe um novo desafio: Eça, então com 21 anos, partiu para Évora, onde fundou e coordenou o jornal da oposição Distrito de Évora.

Entre as rubricas do jornal contava-se a correspondência política e literária do Reino, a análise da conjuntura económica do País, a crónica de costumes, a correspondência internacional, a crítica de literatura e de arte, a resenha de «leituras modernas», a revista de imprensa e a produção de ficção própria.

No primeiro número, publicado a 1 de janeiro de 1867, Eça dissertava apaixonadamente sobre a sua conceção de jornalismo.

«É o grande dever do jornalismo fazer conhecer o estado das coisas públicas, ensinar ao povo os seus direitos e as garantias da sua segurança, estar atento às atitudes que toma a política estrangeira, protestar com justa violência contra os atos culposos, frouxos, nocivos, velar pelo poder interior da pátria, pela grandeza moral, intelectual e material em presença de outras nações, pelo progresso que fazem os espíritos, pela conservação da justiça, pelo respeito do direito, da família, do trabalho, pelo melhoramento das classes infelizes».

Em julho de 1867, abandonou o projeto e regressou a Lisboa, retomando a sua colaboração na Gazeta de Portugal.

O Cenáculo ganha vida

No final desse ano, forma-se o Cenáculo, um grupo de intelectuais do qual fazia parte Antero de Quental, Salomão Saragga, Jaime Batalha Reis, Augusto Fuschini, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins e José Fontana.

Com os seus companheiros do Cenáculo, Eça partilhava a vontade de agitar a sociedade portuguesa, em particular nas vertentes política e social.

Um desejo que já tinha sido instigado no ambiente boémio de Coimbra onde o conjunto de jovens intelectuais debatia a vida política, social e cultural portuguesa.

Desapontados com o estado do país e defensores da mudança, chegaram a envolver-se num conflito literário com os ultrarromânticos, que ficou conhecido como a «questão coimbrã».

Cosmopolitas, liberais e progressistas, os jovens que integravam a chamada «Geração de 70» chegaram à capital com o intuito de revolucionar a literatura e a sociedade cultural portuguesa da época.

A imprensa era vista como um dos meios primordiais para instigar a mudança.

Em 1869, Eça criou, juntamente com Antero de Quental e Jaime Batalha Reis, o «poeta satânico» Carlos Fradique Mendes.

Este heterónimo coletivo publicou versos no jornal Revolução de Setembro.

Repórter internacional

No final do ano, Eça viajou pela Palestina, Síria e Egito com o conde de Resende, o seu futuro cunhado.

No regresso a Lisboa, foi desafiado por Eduardo Coelho, fundador do Diário de Notícias, a publicar as suas impressões sobre a inauguração do Canal de Suez.

Eça propôs-se a fazer uma «narração trivial, o relatório chato das festas de Port Said, Ismailia e Suez», mas, em vez disso, os leitores puderam disfrutar de um texto onde é notória a sua escrita inteligente e mordaz, intuindo os inícios de um estilo muito próprio que o imortalizaria na literatura portuguesa.

A 18 de janeiro de 1870, dois meses depois do evento, é publicado o primeiro de quatro folhetins, com o título «De Port-Said a Suez».

«A polícia egípcia tinha esquecido que trezentos convidados, ainda que não tenham a corpulência tradicional dos paxás e dos vizires, não podem caber em vinte lugares de vagões, estreitos como bancos de réus. Por isso, em volta das carruagens havia uma multidão tão ávida como no saque de uma cidade». 

Após o regresso a Portugal, torna-se administrador do Concelho de Leiria.

A cidade é palco do romance O Crime do Padre Amaro.

A primeira versão do romance foi publicada na Revista Ocidental, dirigida por Antero de Quental e Jaime Batalha Reis, em 1875.

Trata-se de uma das muitas obras de Eça que viram a luz do dia nas páginas dos periódicos e folhetins, cruzando as suas carreiras enquanto escritor e jornalista.

Em 1870, O Mistério da Estrada de Sintra foi publicado no Diário de Notícias,em colaboração com Ramalho Ortigão.

O conto Singularidades de Uma Rapariga Lourafoi lançado, em 1874, no Brinde aos senhores assinantes do «Diário de Notícias» para 1873.

A novela O Mandarimfoi publicada nos folhetins do Diário de Portugal, em 1880.

Os Maiastambém foi divulgado, em 1888, n’ O Repórter, com o título Os Maias (um passeio a Sintra).

Algumas Cartas de Fradique Mendesforam reunidas na mesma publicação.

Vários dos seus contos surgiram, ao longo das décadas, em periódicos como Diário de Portugal, O Atlântico, O Repórter, Gazeta de Notíciase Revista Moderna.

O realismo descritivo e a crítica social atravessam as suas obras, pautadas por um estilo e linguagem ricos e muito próprios.

Um espírito, aliás, comum aos seus contemporâneos que integravam o Cenáculo.

Afirmavam «recusar que Portugal continue mouco às novas ideias que circulam na Europa» e pretendiam «abrir uma tribuna onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este movimento do século».

Em 1871, o grupo organizou as Conferências Democráticas do Casino Lisbonense,  uma reflexão sobre a sociedade portuguesa e de promoção ao debate dos grandes temas da época.

Eça de Queiroz apresentou a comunicação «A Nova Literatura ou O Realismo como Expressão de Arte».

A iniciativa foi interrompida depois de cinco conferências, devido a uma proibição governamental.

Também em 1871, foi publicado o primeiro número d’As Farpas,uma revista fundada por Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz.

O título surgiu com base no intuito dos coordenadores de «espicaçar a sociedade».

A revista, publicada em edições mensais até 1882 (apenas com Ramalho Ortigão, pois Eça abandonou o projeto em 1872), constituiu um marco na literatura e na cultura portuguesas, criando um inovador conceito de jornalismo crítico e de ideias.

«Estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma decadência de espírito», lia-se num texto de Eça. As suas palavras foram recuperadas, mais de um século depois, por muitos jornalistas e internautas, referindo a sua atualidade face ao ambiente político e económico português.

O diplomata

Portugal tornava-se pequeno demais para Eça.

Em 1870, prestou provas para cônsul de 1.ª classe no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Dois anos depois, partiu para Havana, Cuba.

Durante os anos no consulado, viajou pelo Canadá, Estados Unidos e América Central, conhecendo novas realidades sociais, políticas e culturais.

A sua carreira internacional trá-lo de volta à Europa em 1874, estabelecendo-se em Newcastle-upon-Tyne, em Inglaterra.

Em 1878, foi transferido para Bristol, também em Inglaterra.

Em 1888, foi nomeado cônsul em Paris, França, onde viria a viver até ao final da sua vida.

Em 1877, escreveu a partir de Newcastle para o jornal portuense A Actualidade. As suas «Cartas de Inglaterra» são publicadas com regularidade até 1878.

Em 1878, o seu trabalho chega ao outro lado do Atlântico, escrevendo para o jornal Gazeta de Notícias, no Rio de Janeiro. A colaboração só terminaria em 1897.

Em 1886, Eça casou com Emília de Castro Pamplona (Resende), que conhecia desde a infância por ser irmã de um amigo de juventude.

O casal teve quatro filhos: Maria (1887), José Maria (1888), António (1889) e Alberto (1894).

Em 1888, a desilusão pelo insucesso do processo modernizador da «Geração de 70» levou à formação o grupo «Vencidos da Vida».

Mesmo a residir em Paris, Portugal continuava a estar na mente do romancista.

Eça fundou a Revista de Portugal, que dirigia a partir da capital francesa.

«Portugal é atualmente na Europa o único país que não possui uma REVISTA - uma publicação onde, além de se apresentarem criações da imaginação no Romance e na Poesia, resultados da investigação na Ciência e na História, trabalhos de Crítica Literária e de Crítica artística, se estudem, com desenvolvimento e adequada competência, os assuntos que genericamente se prendem com a Política, com a Economia, com as Instituições, com os Costumes, com todas as manifestações dum organismo social».

No verão de 1900, começam a chegar a Portugal ecos da doença de Eça de Queiroz.

O pior cenário vem a confirmar-se; o escritor morre a 16 de agosto de 1900, em Neully, em França.

As homenagens não se fizeram tardar. No mês seguinte, o seu corpo foi transladado para Portugal.

Muitos dos seus escritos só viram a luz do dia postumamente.

Pouco antes da sua morte, Eça preparava a publicação de três romances: A correspondência de Fradique MendesA Cidade e as Serras e A Ilustre Casa de Ramires.

Em 1903, a cidade que acolhera Eça, quarenta anos antes, homenageou o escritor com a estátua «A Verdade».

O nº 26 da Praça D. Pedro IV ao Rossio, prédio onde viveu Eça de Queiroz, está assinalado com uma placa comemorativa.

Mais de um século depois da sua morte, a sua obra continua pejada de atualidade e pertinência.

De peças de teatro a filmes, passando por novelas, as obras de Eça de Queiroz serviram de inspiração a várias representações culturais.