Emídio Rangel
Considerado por muitos um visionário, Emídio Rangel marca o audiovisual em Portugal e traz formatos inovadores à Rádio e à TV
«Esta rádio bissexta vai ficar nos vossos recetores 24 horas por dia, com música e notícias».
Antes do arranque oficial da rádio, às 7 da manhã do dia 29 de fevereiro de 1988, Emídio Rangel apresentava aos ouvintes a TSF.
Quatro anos antes, tinha ido para o ar uma emissão pirata que incluía depoimentos de cerca de 60 personalidades portuguesas a defender a legalização de novas emissoras.
Uma iniciativa «decisiva para que o Parlamento viesse a criar a Lei da Rádio», considerou Emídio Rangel, um dos nomes por detrás do projeto.
Uma estação feita de estórias
No mesmo ano em que deu início às suas emissões regulares, a TSF conquistou o reconhecimento do público e do mundo do jornalismo pela sua cobertura do incêndio do Chiado.
«Caso a informação não governamental não existisse, a repercussão mediática de um enorme acontecimento seria provavelmente muito diferente. Estes diretos dinamitavam qualquer controlo informativo. Marcávamos a agenda», considerou Emídio Rangel.
O comunicador ocupou os cargos de diretor e presidente do conselho de administração da TSF.
Uma estação que ficou marcada pelas estórias.
«Uma vez soubemos que tinha chegado um barco com sete pessoas negras refugiadas. […] Estavam num contentor em condições infra-humanas. Resolvemos fazer a emissão 24 horas sobre 24 horas a partir de lá. […] Eles deixaram de ser tratados como animais para a passarem a ser tratados como seres humanos».
Uma abordagem – e uma atitude – inovadoras no panorama mediático nacional.
Ficou, aliás, célebre o episódio em que Rangel, a propósito de um conflito entre membros da cooperativa, utilizou um berbequim para forçar a entrada nas instalações da TSF.
Tempos conturbados, mas uma missão sempre presente:
«Queríamos dar voz às pessoas. Ter gente dentro das nossas notícias. [...] Nós introduzimos uma pequena revolução: abríamos jornais com o que fosse importante. Tanto podíamos abrir com uma greve como com desporto».
Era a primeira de muitas revoluções promovidas por Emídio Rangel no jornalismo português.
Os primeiros passos
O comunicador nasceu em Angola, em Sá da Bandeira (atual Lobango), a 21 de setembro de 1947.
Passou pelo Rádio Clube da Huíla e pela Rádio Comercial de Angola.
«Nessa altura, como hoje, a rádio tem um fascínio especial, tem uma linguagem intimista que me agrada imenso. Sobretudo quando se exercita, quando se está ao microfone».
Foi como repórter que viveu o 25 de abril Estava de férias em Lisboa quando se deu a revolução, que cobriu para os microfones angolanos.
«A primeira vez que eu telefonei não queriam pôr o trabalho no ar, mas depois eu continuei a telefonar e a insistir: "Metam no ar." E apesar da proibição comecei a transmitir notícias e a reportagem detalhada do que estava a acontecer».
Na rádio portuguesa
Emídio Rangel chegou a Portugal em 1975. No início do ano seguinte, ingressou na RDP por concurso público, no qual ficou em 2.º lugar.
Os primeiros tempos na emissora não foram fáceis. «Em Angola, já era conhecido como profissional da rádio. Aqui, era o retornado».
A realidade que encontrou nos estúdios da emissora era bem diferente.
«Em Angola aprendi todas as variáveis do exercício radiofónico, a fazer sonoplastia, a fazer som, a fazer locução. […] Na RDP, isso causou alguma surpresa a colegas jornalistas que sabiam escrever uma notícia, mas depois não sabiam trabalhá-la».
A sua reportagem sobre a Ereira, uma vila perto de Coimbra que ficava isolada no Inverno, foi distinguida com o Prémio Gazeta.
Conquistou reconhecimento internacional ao ganhar o prémio Reis de Espanha, com um trabalho sobre a lixeira da Bobadela.
«Como eu estive lá de dia e de noite, consegui retratar essa realidade. Fiz uma reportagem sobre essas pessoas, consegui criar empatia com elas e perceber os seus valores».
Foi repórter, subchefe de redação e enviado especial; mas o trabalho na RDP deixava de ser suficiente.
«Comecei a pensar que Portugal não podia continuar a viver com uma emissora do Estado e outra da Igreja [Rádio Renascença]. Era necessário libertar a rádio, fazer um combate para que fosse possível criar novas emissoras».
Desse combate nascera a TSF.
A passagem para a televisão
Em 1992, deixou a emissora radiofónica que fundara para ocupar o cargo de diretor de informação da SIC, o primeiro canal privado da televisão portuguesa.
«Eu tinha uma grande experiência na TSF daquilo que devia ser a mudança da informação na televisão. No fundo a lógica era a mesma: acabar com o Portugal sentado, com a informação burocrática e hierarquizada pelo respeitinho cego».
Acabou por acumular também a direção de programas.
A SIC conquistou a liderança absoluta de audiências durante vários anos. «Uma estação que tem 50% de share vende tudo, até o Presidente da República!», chegou a afirmar.
O percurso na SIC trouxe novos desafios à carreira de Rangel.
«Nós queríamos fazer uma televisão que chegasse ao maior número de pessoas, essa era a condição de sobrevivência da SIC», referiu.
O comunicador participou também na fundação da SIC Notícias, em 2001.
Com o virar do milénio, as audiências da SIC começaram um caminho descendente, perdendo espetadores para a TVI.
O sucesso do reality-show Big Brother foi um dos grandes impulsionadores da viragem.
«A SIC podia ter isso em exclusivo, mas eu considerei que aquele formato não era realizável no modelo da SIC. […] Para mim, o "Big Brother" não era exibível na SIC porque afetaria a credibilidade do resto da estação».
Em 2001, Rangel tornou-se diretor-geral da RTP.
No ano seguinte, foi convidado a negociar a sua saída, no âmbito do processo de reestruturação iniciado na empresa pelo Governo de Durão Barroso.
Regressou à TSF para restruturar a estação noticiosa.
O seu currículo inclui ainda a participação em vários projetos de media e comunicação, tanto nacionais como estrangeiros.
Foi colaborador da BBC em Portugal, correspondente da TDM - Teledifusão de Macau, gerente da revista Grande Reportageme da estação de rádio NRJ - Rádio Energia.
Mais recentemente, Emídio Rangel esteve ligado a propostas para a candidatura ao quinto canal em sinal aberto e à criação de um novo grupo de media.
Reconhecido como uma referência do panorama mediático nacional, faleceu a 13 de agosto de 2014.
Um profissional para quem «o maior compromisso do jornalismo é com a verdade».