Hermano Neves
Introdutor da grande reportagem na imprensa nacional, é considerado por muitos o pai do Jornalismo moderno no país. Hermano Neves foi o primeiro enviado especial português a cobrir uma guerra.
Em 1914, o jornal A Capital tomou a decisão histórica de enviar um repórter especial para França, com a missão de cobrir a Primeira Guerra Mundial a partir da frente de batalha.
«Hermano Neves dar-nos-ha da guerra a visão portugueza; dará movimento e vida aos seus factos, tornando-nos familiares os seus aspectos. As suas aspirações são as nossas. São as do paiz inteiro. São as da alma do nosso povo».
O jovem repórter chegou a Bordéus a 6 de setembro, mas pouco se passava na cidade.
Impedido pelas autoridades de chegar à capital francesa, tinha de se contentar com informações em segunda mão, relatados nas suas crónicas diárias.
Depois de quase dois meses sem se conseguir aproximar da frente de batalha, o enviado especial regressou a Lisboa.
Da Medicina ao Jornalismo
A carreira jornalística de Hermano Neves começara cerca de uma década antes, em Berlim.
O repórter – nascido em Alvares, a 12 de dezembro de 1884 – partira para a Alemanha para estudar Medicina, atraído pelo cosmopolitismo e pela qualidade da cultura e da educação do país.
A partir da capital germânica, Hermano Neves colaborou com o Diário de Notícias.
Já formado, regressou a Portugal, tornando-se assistente de Anatomia na Faculdade de Medicina de Lisboa.
A máquina de escrever acabou por impor-se ao estetoscópio. Hermano Neves integrou a redação de diversos periódicos, incluindo O Dia, O Século e O Mundo.
Jornalismo em tempo de República
Em 1910, o país mudou.
O repórter seguiu de perto os acontecimentos de 4 e 5 de outubro, que culminaram na implantação do regime republicano.
A sua cobertura jornalística acabou por dar origem à obra Como triumphou a Republica, publicada pouco depois da revolução.
Mas a sua consagração jornalística viria a ser conquistada na redação d’A Capital.
No periódico moderno e de pendor republicano, Hermano Neves amadureceu enquanto jornalista e tornou-se um dos mais dinâmicos e requisitados repórteres da publicação.
Foi pioneiro no desenvolvimento do género moderno de reportagem, incluindo trabalhos sobre as incursões monárquicas, durante as quais chegou a ser confundido com um espião.
A experiência foi retratada no livro Guerra Civil.
A 29 de abril de 1915, publicou o primeiro número do panfleto republicano Fora da Lei, em colaboração com o também jornalista Herculano Nunes.
«Entendemos que n'este grave momento da vida nacional é indispensável proclamar-se sem rodeios e sem hesitações tudo o que supomos a verdade».
A dupla de jornalistas fundou ainda, já no final da década, o periódico Vitória – título que remete para a vitória dos Aliados e dos Republicanos –, uma publicação que Neves transformou numa escola de jornalismo.
O repórter também colaborou, pontualmente, com outros meios de comunicação, como a revista Atlântida.
Detentor de uma vasta cultura literária e humanística, trabalhou ainda como tradutor de diversas peças de teatro.
A guerra na imprensa
Após a sua experiência em França, que o tornou no primeiro repórter português enviado exclusivamente para cobrir um conflito, voltou a escrever sobre a Primeira Guerra Mundial.
Acompanhou de perto a preparação das tropas portuguesas, em Tancos, antes da partida para a frente da batalha.
Três anos depois da viagem inicial, regressou a França para acompanhar a visita do Presidente Bernardino Machado, ao serviço d’A Capital e do Diário de Notícias.
«O sector portuguez tem-se mantido sempre na defensiva […] permanecemos alli, por emquanto, apenas com este simples objetivo: não deixar passar os allemães».
Hermano Neves via-se, assim, do lado oposto à nação germânica, país onde tinha vivido e estudado, reportando a partir da frente de batalha portuguesa.
No exercício da sua atividade jornalística, viajou pela Europa, Brasil e África – onde adoeceu e foi salvo por mezinhas locais – e reportou a partir das antigas colónias portuguesas.
Percorreu durante meses regiões inóspitas, fazendo ele próprio observações meteorológicas e enviando reportagens a narrar as suas aventuras.
Trabalho pioneiro
Destemido e sedento de novas experiências, foi o primeiro jornalista português a embarcar num submarino e a voar numa avioneta e num balão.
Também viajou por território nacional, publicando o livro Três Dias em Olivença.
Conhecedor das questões ultramarinas, Hermano Neves acompanhou o General Norton de Matos na sua ida para Angola, onde este assumiu funções de Alto-Comissário.
Após o seu regresso, manteve-se ativo na imprensa clandestina, manifestando-se contra a ditadura implantada em 1926.
Já não veria o seu sonho político a ser cumprido. Faleceu em Lisboa, a 2 de março de 1929.
Republicano convicto (Maçónico ou não, os relatos divergem) o médico que virou correspondente de guerra encontrou no jornalismo a sua verdadeira vocação.
O seu contributo para a profissão foi analisado por Norberto Lopes na obra Hermano Neves: a Grande Reportagem.
O seu filho, Mário Neves, herdou do pai a paixão pelo jornalismo.
Foi redator dos jornais O Séculoe Diário de Lisboa, bem como cofundador d’A Capital.
Considerado o pai do jornalismo moderno, Hermano Neves ficou imortalizado como um dos mais célebres repórteres do seu tempo, destacando-se na crítica, no comentário, na crónica e, especialmente, enquanto introdutor da grande reportagem na imprensa portuguesa.