Manuel Pinto de Azevedo Júnior
No n.º 312 da Rua de Santa Catarina, funciona o jornal O Primeiro de Janeiro, alma da cidade do Porto, orgulho dos homens de letras e paixão contínua da vida de Manuel Pinto de Azevedo Júnior
A renovação d'O Primeiro de Janeiro
Pinto de Azevedo Júnior herdou o jornal do pai, Manuel Pinto de Azevedo, que o comprara com outros sócios em 1923.
No entanto ao contrário do pai, que era um empresário de sucesso, o seu coração pulsa sobretudo com as vicissitudes do Primeiro de Janeiro. Os negócios da vinha, as fábricas nunca o motivaram. Era o jornal que o fazia mexer e assim foi até à sua morte.
Manuel Pinto de Azevedo Júnior nasceu em 1905 e tornou-se diretor do jornal em 1937. Foi diretor desta publicação até 1976. Até final desta década, viveu a dois passos da redação, no n.º 326. Toda a sua vida concentrou-se naquele quarteirão.
No Porto, nesta época, as leituras d’O Primeiro de Janeiro eram divididas com jornal O Comércio do Porto, do qual Bento Carqueja – um grande benemérito da época foi diretor e grande impulsionador. Legado que deixou para as direções seguintes.
Ainda assim, O Primeiro de Janeiro alcançou um maior protagonismo quando em 1870, em plena Guerra Franco-Prussiana e bem antes da direção de Manuel Pinto de Azevedo Júnior, aceitou receber telegramas dos alemães ao contrario da concorrência que apenas recebia notícias dos franceses. Em consequência, quando os alemães entraram em Paris, apenas os leitores d’O Primeiro de Janeiro estavam atualizados do desenrolar da guerra.
Com esse prestígio a tiragem passou de 3 mil exemplares, em 1870, para 15 mil no final da mesma década.
De mãos dadas com a inovação que vira na Bélgica, no tempo em que lá viveu, Pinto de Azevedo Júnior decidiu modernizar O Primeiro de Janeiro, tornando-o pioneiro na introdução da máquina de escrever na redação.
Diretor exímio tornou O Primeiro de Janeiro num jornal de referência que, além de lucrativo, de circulação elevada e repleto de publicidade, foi uma escola de jornalismo para muitos gerações de jornalistas. a «escola do Janeiro», como alguns destes lhe chamavam.
Abriu as portas à cultura e a partir de 1945 permitiu que os grandes pintores nacionais da época pudessem expor as suas obras no piso térreo do edifício do jornal. A sua dedicação no desenvolvimento da imprensa portuguesa marcou todos aqueles que com ele convieram.
Em Lisboa, a preocupação com o melhoramento do grafismo nos jornais também era um assunto prioritário. Neste assunto, José Joaquim Silva Graça, diretor d’O Séculoe empresário foi responsável pela renovação das artes tipográficas, da fotogravura e da impressão nas publicações sob a sua alçada. Além d’O Século, criou Suplemento Humorístico e a revista Ilustração Portugueza. Pinto de Azevedo Júnior tinha assim um parceiro e rival na inovação e empreendedorismo.
Nuno Rocha, que teve n’O Primeiro de Janeiro a sua primeira grande experiência jornalística, lembra «o bravo lutador antifascista» nas suas «Memórias de um Ano de Revolução», contando que, quando foi a Paris pela primeira vez, o diretor do jornal despediu-se dele e meteu-lhe no bolso, comovido, dois mil escudos para ajudar às despesas.
Alberto Uva, jornalista e poeta, recordou as raras reprimendas que o faziam «alterar o estilo cavalheiresco» durante alguns instantes antes de a voz amaciar, o coração pedir palavra e surgir a frase de sempre: «Para a próxima vez...».
Durante o Antigo Regime, quando a repressão da polícia política, a PIDE, se abateu sobre alguns trabalhadores do jornal, Manuel Pinto de Azevedo Júnior nunca lhes retirou o vencimento. Ao serem libertados, esses trabalhadores encontravam sempre o seu posto de trabalho.
Durante os tempos da PIDE
Durante este tempo, a PIDE emitiu a seguinte circular «Como Identificar as Actividades Clandestinas do PCP». Neste documento, durante a segunda metade da década de 1940, a polícia lembrava aos agentes que «os membros do Partido Comunista Português (PCP) instalados no Centro e Sul compram sistematicamente O Século e os do Norte, adquirem por norma O Primeiro de Janeiro».
Assim a oposição ao Antigo Regime por parte das publicações noticiosas eram feitas no Norte sob a égide de Manuel Pinto de Azevedo Júnior, n’ O Primeiro de Janeiro e no Sul por Acúrsio Pereira, chefe de redação do jornal O Século.
O jornalismo de combate
Estamos a 15 de maio de 1957, a edição d’O Primeiro de Janeiro estava quase a fechar quando recebeu o anúncio de um filme que a produtora demorou a enviar.
Recebido, foi diretamente enviado para a composição sem passagem pela Censura, como explica pacientemente Manuel Pinto de Azevedo Júnior, num ofício dirigido à direção dos Serviços de Censura.
Parecia inofensivo…mas, não era. Sob o título «Raparigas de Hoje», em exibição no cinema Batalha a partir dessa noite, contava o drama das raparigas do hoje da altura com os seus problemas, sonhos, ilusões, esperanças e aventuras. O que desafiava os «bons costumes» da época era o facto de as raparigas levantarem a saia até à cintura.
O coronel de serviço considerou a publicidade «contrária à moral», sugerindo que o jornal fosse sancionado por publicação de materiais não submetidos ao visto.
Raúl Rego e Vítor Direito são outros dos nomes do jornalismo de combate português. Mais novos e menos discretos que Manuel Pinto de Azevedo Júnior assumiram posições claramente antagonistas ao Antigo Regime.
Raúl Rego foi diretor do República e Vítor Direito fez parte da equipa. Ambos denunciavam os procedimentos inquisitoriais feitos pela Censura aos jornais.
A 9 de fevereiro Raúl Rego é entrevistado por José Pedro Castanheira para o Expresso e sobre esta questão afirmou: «O República praticamente não dava notícias: tudo o que fosse suscetível de ser cortado não dava. Era uma teoria. Ora não se compra um jornal apenas pelas ideias que ele tem ou defende: um jornal compra-se sobretudo pelas notícias que dá».
A coluna de Raúl Rego chamada «momento», no jornal República, era a mais lida e a que mais influenciou os homens que fizeram mais tarde o 25 de abril de 1974.
Vítor Direto igualmente combativo nesta época, fundou em 1979 o jornal Correio da Manhã.
Quanto ao O Primeiro de Janeiro é justo notar que resistiu admiravelmente às sacudidelas do período revolucionário. Foi dos poucos jornais de então que não registou mudanças na estrutura de administração ou direção.
Manuel Pinto de Azevedo Júnior manteve-se fiel ao projeto e aos seus ideais e honrou a tradição liberal do matutino. Em plena ditadura salazarista, manteve como colunistas figuras da oposição como Abel Salazar ou Norton de Matos.
Em Novembro de 1976, quando, por motivos de saúde, passou finalmente o testemunho da direção do jornal a Alberto Uva, Manuel Pinto de Azevedo Júnior entregou-lhe um legado singular: uma vela e uma caixa de fósforos. «Isto é para o alumiar, se tudo se apagar cá na casa», disse-lhe. «Um diretor do Janeiro nunca pode ficar às escuras!
Manuel Pinto de Azevedo Júnior morreu em 1978, dois anos depois de passar o testemunho d’ O Primeiro de Janeiro.