Norberto Lopes

Depois de dar cartas n’ O Século, onde faz parte do quadro redatorial com apenas 18 anos, Norberto Lopes assina, a 19 de abril de 1922, a reportagem sobre a primeira travessia aérea do Atlântico do Sul já estando a trabalhar no Diário de Lisboa. Estão dados os primeiros passos de uma carreira em pleno.

Sobre esta reportagem, Norberto revelou, aos 83 anos, numa entrevista: «devo dizer que o homem da travessia não foi Gago Coutinho, a quem ouvi, há poucos dias, chamar na televisão o primeiro aviador português. Ele nunca foi aviador, mas sim Sacadura Cabral, que está injustamente esquecido».

Jornalista de têmpera transmontana, Norberto Lopes nasceu no Vimioso, a 30 de setembro de 1900.Trocou o Direito pelo Jornalismo porque, como o próprio sublinhou, «um jornalista digno desse nome está sempre no encalço com a verdade».

 

 

 

O repórter de Guerra

Em 1936, já como Chefe de Redação do Diário de Lisboa, Norberto Lopes tornou-se no primeiro repórter português na Guerra Civil Espanhola. De Espanha para Lisboa chegou o relato que mostrou, desde logo, peripécias na viagem.

«A greve geral ferroviária que nos retém é um sintoma concludente de que a situação não se apresenta inteiramente favorável ao Governo».

Depois da viagem, negociada a ferros com os taxistas Norberto Lopes consegue, finalmente chegar a Madrid. As comunicações estavam interrompidas, com telégrafo, telefone e correio cortados. Assim que consegue, o repórter enviou um telegrama que descrevia as gentes madrilenas:

«A povoação tinha uma fisionomia pitoresca e inédita. Grupos armados percorriam as ruas, defendiam a entrada da vila em trincheiras cavadas à pressa e protegiam o “ayuntamiento”, onde dava ordens o Comité Revolucionário».

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Posteriormente, embrenhado nas teias bélicas, Norberto nota a censura que se fazia sentir de ambos os lados das barricadas:

«Se a censura de Madrid é rigorosa e deixa apenas filtrar para o estrangeiro as notícias que lhe convém, a censura dos revoltosos não é menos apertada e opõe-se, sobretudo, a transmissão de notícias que possam prejudicar as operações militares, o que até certo ponto se compreende», escrevia, a 3 de agosto de 1936.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entre perseguições e ameaças de prisão, Norberto testemunhou um assalto ao “ayuntamiento”, escondido detrás de uma esquina:

«Assisti, à luz dos candeeiros que iluminavam o cenário dramático da luta, a um combate desigual. (…) Metralhadoras e granadas de mão crivavam o edifício de chagas sangrentas e abria na noite um leque de luz (…) Não tardou muito  que os sitiados pedissem a paz. Uma dúzia de comunistas foram saindo lentamente do edifício, de mãos no ar e de olhos espavoridos. A certa altura, um deles destacou-se do grupo e tentou a fuga.  - Alto! Alto! Alto! À terceira vez, partiu um tiro. O pobre rapaz caiu redondo».

Por fim, o tiroteio terminou e o repórter confessou: «Tive a sensação de ter acordado de um terrível pesadelo e de que me encontrara, subitamente, à beira de um abismo».

 

 

José Estevão, jornalista d’A Voz e rapaz da Arcada - «jornalista» que recolhia informações juntos dos ministérios - para o Diário de Lisboa, recordou que Norberto Lopes apesar de há época ser o diretor do DL nunca usufruiu do gabinete que essa condição lhe conferia.

«Mesmo depois de ser diretor, nunca deixou de estar na redação do jornal. Nunca ocupou, nem por um dia, o gabinete de Diretor, que era a melhor sala do edifício.»

Estevão acrescenta ainda que Norberto o aliciou mais que uma vez a convencer o Padre Dinis da Luz, da seção internacional d’A Voz, «a vir para o Diário de Lisboa». «Ele admirava-o pelo facto de numa só página condensar a informação religiosa que chegava do estrangeiro».

 

 

As queijadas de Sintra

Entre O Século e o Diário de Lisboa, Norberto Lopes passou pelo Domingo Ilustrado, onde as suas crónicas divertiam quem as lia. Uma delas, a 25 de setembro de 1927, foi sobre Sintra, ou melhor, sobre as Queijadas de Sintra.

«Há a água de Sintra, o Paço de Sintra, o Palácio de Sintra, a Serra de Sintra – e as Queijadas de Sintra.

Nem todas as pessoas que vão á vila nobre bebem água da Sabuga ou da Passarinhos, nem todos sobem à Pena, entram no Paço de D.João I e dão a volta ao Parque.

Mas ninguém deixa de comer as queijadas. As queijadas são o símbolo de Sintra mais transparente de verdade. A única cousa mesmo, a única, que se traz para Lisboa, a única que irradia nas cidades e é copiada, plagiada, limitada, especulada.

Em verdade, nós gostamos tanto das queijadas, somos filhos da Matilde. A Matilde é que noz faz gulosos; a Matilde é que nos dá a recordação transitória de Sintra. A Matilde é que, por pouco dinheiro nos defende muitas vezes quando a gente diz que foi a Sintra passar a tarde, que perdeu o último comboio, que teve de lá ficar.

-Toma filho! Aqui estão as queijadas».

 

 

N'A Capital

Depois de uma saída atribulada do Diário de Lisboa, Norberto Lopes, juntamente com Mário Neves e outros jornalistas dessa redação, recriou A Capital, cuja primeira série tinha sido extinta aquando da instituição da Ditadura Militar. Esta «Continuidade» foi explicada no editorial.

Segundo o antigo jornalista d’A Capital, Daniel Ricardo, a saída de Norberto Lopes do Diário Lisboa teve que ver com um bilhete na primeira página titulado «Conversa Fiada», numa alusão a uma das «Conversas em Família», do então chefe do Governo, Marcelo Caetano, na RTP.

 

 

As espirituosas «Nota do Dia», como alguns chamavam contavam nas entrelinhas aquilo que a Censura ameaçava cortar.

Numa entrevista feita pela jornalista Maria Augusta Silva, em 1984, Norberto confessou o sucesso desta rubrica:

«Limitou-se a ser uma rubrica bem-humorada, mas sempre fácil em tempo de Censura, que me trouxe numerosos leitores. É curioso e lisonjeiro para mim que, ainda hoje, muitas pessoas me falem de uma ou de outra que lhes deu gosto e sei de algumas que as colecionaram».

Na mesma entrevista acrescentou que se escrevesse «agora uma [Nota do Dia] teria de voltar atrás e escrever, outra vez, nas entrelinhas. Os tempos, porém, mudaram e agora não são propícios a dizer aquilo que na realidade pensamos sem uma espécie de autocensura».

 

 

Em 1968, Norberto foi premiado pelo Sindicato dos Jornalistas com o «crachá» de ouro, devido à sua persistência na conquista progressiva da independência dos jornalistas.

A sua luta diária com a Censura era conhecida no meio. Aliás, questionado sobre este assunto, admitiu que «os censores não me retiraram anos de vida. Roubaram-me muitas horas de trabalho, embora lutar contra a Censura fosse também trabalho útil» e ainda acrescenta que «a liberdade de imprensa foi a maior conquista da Revolução de Abril».

 

 

O primeiro número d’A Capital vendeu cem mil exemplares, correndo tudo bem até 1970. Mais jornalistas e máquinas de escrever para a redação refletiam o bom momento.

Depois, em 1971, deu-se uma profunda alteração, provocada pela quebra de vendas. Marcelo Caetano, então primeiro-ministro, conversava com um seu parente, Manuel Espírito Santo administrador do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa:

«Toda a imprensa da manhã nos apoia; desgraçadamente, os vespertinos são contra nós. A Capital está numa situação de pré-falência. Peço-lhe que a compre e a faça seguir uma linha editorial semelhante à da Época» [jornal afeto ao partido único, que apoiava Caetano].

 

 

Em 1971, Norberto Lopes foi substituído na direção d’A Capital por Manuel José Homem de Mello.

Dez anos após ter deixado a direção do jornal Norberto Lopes escreveu: «Fundada por dez profissionais, A Capital podia considerar-se uma sociedade de redatores, uma espécie de cooperativa, como até então nunca existira nenhuma entre nós». Por conseguinte, A Capital ficou conhecida como a primeira publicação a eleger um conselho de redação, tornando-se espaço de debates sobre a ética da profissão.

Após deixar a direção d’A Capital, Norberto Lopes sem deixar de redigir textos, dedicou-se à literatura e publicou alguns livros relacionados com a sua carreira como por exemplo, A Magnífica aventura de Gago Coutinho e Sacadura Cabral (1978) que recorda a sua primeira reportagem no Diário de Lisboa.

Contudo, também escreveu sobre o que interferiu no livre exercício da profissão - «Visado pela Censura: A Imprensa, Figuras, Evocações da Ditadura à Democracia (1975)».

 

 

Um ano depois do Incêndio do Chiado, Norberto Lopes dividiu capa com esta efeméride no Diário de Lisboa.

O fundador, diretor mas acima de tudo, o repórter morreu a 25 de agosto de 1989, em Linda-a-Velha.

Para a História fica a recordação da árdua luta que Norberto travou em prol da evolução e sedimentação dos valores da profissão. Martinho Simões, jornalista, chamou-o de «Sacerdote do Jornalismo» e outros nomeavam-no de Doutor Norberto Lopes.