Stuart Carvalhais

Artista multifacetado e experimentalista do modernismo português. Produz rápido e em traço livre, de tal modo frenético que deixa milhares de originais dispersos. Os seus trabalhos incluem ilustrações e caricaturas. É autor de banda desenhada e diretor de ABC a Rir, uma revista de sátira política e social

Stuart Carvalhais passeava pelo Chiado, em direção ao café Brasileira. Aqui com os seus parceiros de tertúlia – Almada Negreiros e Eduardo Viana – falava das vicissitudes do quotidiano modernista português.

Filho de pai português e de mãe escocesa e inglesa, nasceu em 1887 em Vila Real. Passa parte da infância em Espanha e regressa a Portugal em 1891. O seu primeiro trabalho foi como pintor de azulejos no ateliê de Jorge Colaço.

Em 1906, no jornal O Século, Stuart publicou os seus primeiros desenhos e no ano a seguir começou a investir tempo e talento na banda desenhada publicando no semanário O Século Cómico, as histórias d’O Quim e o Manecas.

 

 

Stuart começa a dar que falar a partir do momento em que colabora com o jornal satírico monárquico Papagaio Real do qual era diretor Almada Negreiros.

Mas é na década de 20 que o trabalho abunda. A sua carreira estava no auge, dirigia agora a revista de sátira política ABC a RIR e publicava trabalhos na revista Ilustração, no Diário de Lisboa, noDiário de Notícias, n’ A Corja, n’ O Espectro, n’ A Choldra, n’ O Sempre Fixe e no ABC-zinho.

Stuart Carvalhais foi responsável por pinturas que decoram a Brasileira, no Chiado, cenário de inúmeras tertúlias intelectuais, artísticas e literárias.

 

 

 

Lisboa e as suas gentes

Stuart Carvalhais era um profundo conhecedor das ruas e ruelas da Lisboa adormecida. Nos serões que passava a deambular pelas ruas, com os seus companheiros de tertúlias, Stuart Carvalhais recolhia pedaços de memórias alheios para depois reproduzir nos seus trabalhos.

Ferreira de Castro, em 1926 dizia:

«Stuart é um álbum de tipos estranhos, vergastados pela dor, pelos sarcasmos da vida e nele as figuras irmam-se aos aspetos sombrios de Lisboa, aquela parte de onde o sol não se debruça todos os dias, onde há sempre trevas.»

O quotidiano era a fonte de alimentação de Stuart. As sátiras que publicava na ABC a Rir nada mais eram do que os assuntos que marcavam a atualidade. As suas ilustrações e desenho tinham muitas vezes como protagonistas as pessoas com que se cruzava: costureiras, mendigos, varinas, escritores, políticos.

 

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Peripécias vivenciais

A sua própria vida, na qual o sucesso convive com o alcoolismo e a instabilidade financeira, leva-o à experimentação de materiais inesperados.

Os restos que a cidade lhe conferia como papel de embrulho, tampas de caixotes, e até de alguns materiais de desenho, nos quais se destacam os fósforos queimados eram frequentemente usados para compor novos trabalhos.

A experimentação e modernismo eram palavras de ordem no trabalho de  Stuart.  Produzia rápido e em traço livre, de tal modo frenético que deixou milhares de originais dispersos. Porém, em diversas ocasiões, os seus trabalhos eram trocados por comida, um copo de vinho, cigarros, remédios ou dinheiro para a renda de casa.

O preço duma sobrevivência malbaratada, a que correspondia o mais versátil talento - como pintor, fotógrafo, cenógrafo, figurinista, decorador, autor de cartazes ou capas de discos.

A personalidade de Stuart Carvalhais foi traçada por outras personalidades em revistas e jornais. São testemunhos daqueles que conviveram e conheceram com o homem e artista.

Em 1927, na revistaSempre Fixe, Joaquim Manso afirma que «Stuart caricatura, desenha, pinta, faz bonecos de graça ingénua e grimaces de impureza trágica, vai do bucólico à charge, da policromia gritante e matinal ao escuro e claro escuro dos becos e almas sem saída...» e Francisco Valença diz «O caricaturista inexcedível dos tipos da rua. Carradas de talento e de areia. /.../ Divisa: Ó copos hic labor est.»

O Diário de Notícias, em 1930, pelas palavras de Armando Boaventura conta que «De dia — uma “pochade” de Malhoa. De noite — um “carvão” de Gavarni, de Forain ou do nosso próprio Stuart Carvalhais — artistas do lápis, artistas das manchas sombrias, dos esboços confusos, de todo esse desenho admirável feito de impressões rápidas, sem linhas definidas, sem contornos marcados e onde existe e vive mais do que a forma, a alma dos seres...» 

Mais tarde, em 1960, Luís O. Guimarães escreve no jornal República: «Com um lápis ou um pincel na mão faz verdadeiros prodígios — e quase se ofende se alguém lho diz. Despreocupado de toilette, farripas de cabelo ao vento, eterno boémio sempre com o ar de quem perdeu a noite».

 

 

 

No Diário de Notícias, Stuart Carvalhais foi publicando ao longo da sua carreira inúmeras ilustrações. No entanto, a ilustração feita para a capa suplemento comemorativo dos 75 anos do jornal ficou na memória de todos aqueles que a viram. Era inovadora nas corres e no grafismo.

Stuart Carvalhais faleceu, em Lisboa, a 2 março de 1961. A título póstumo foi publicado em 1962 um livro que elogia a obra de Stuart Carvalhais e que recolhe depoimentos de pessoas que conheceram e conviveram com o artista.

«Stuart e os Seus Bonecos», é uma ode ao talento e obra de Stuart Carvalhais. Neste livro destaca-se a opinião de Aquilino Ribeiro e de Armando Paulouro:

«Malempregado Stuart! Num meio sem carácter, com diminutíssima cultura, sem um estratificado social apreciador da beleza artística, não podia encontrar, já não digo galardão, mas incentivo condigno, o seu lápis tão singular, filho de uma genialidade nata».

«Stuart é um dos mais fecundos artistas de todo o mundo e, provavelmente, nenhum poderá orgulhar-se de ter trabalhado para a imprensa durante tantos anos. Se essa mesma imprensa tivesse em Portugal, o mínimo de condições de que todo o artista necessita para criar, Stuart seria hoje o primeiro desenhador humorístico mundial».