François Truffaut
Espetador assíduo, crítico de cinema mordaz, realizador conceituado. François Truffaut, figura de proa da Nouvelle Vague, escreveu sobre a Sétima Arte antes de passar para trás da câmara
O jornalista da Nouvelle Vague
«Não existem bons e maus filmes, apenas bons e maus realizadores». O início da carreira de François Truffaut enquanto crítico cinematográfico foi mediático… e polémico.
«Escrevi uma peça incendiária na Cahiers sobre os filmes franceses tipificados pelos argumentistas Jean Aurenche e Pierre Bost, os fósseis do cinema francês», recorda Truffaut. O jovem cinéfilo colaborava com a LesCahiers du cinéma, uma revista cofundada pelo teórico e crítico de cinema André Bazin.
O artigo “Une certaine tendance du cinéma français”, publicado em 1954, abriu caminho para a revolução do cinema francês levada a cabo pela Nouvelle Vague, um movimento que colocava em destaque o papel do realizador enquanto «auteur».
A paixão de Truffaut pelo cinema começara na sua juventude. O cineasta, nascido a 6 de fevereiro de 1932, em Paris, encontrou na Sétima Arte uma forma de escape da sua infância problemática.
Ávido espetador, faltava às aulas para frequentar clubes e salas de cinema, onde entrava sorrateiramente por não ter dinheiro para o bilhete. Apaixonado pela 7.ª Arte, colecionava artigos de jornais e revistas sobre os seus realizadores preferidos. Fundou, em 1948, o cineclube Cercle Cinémane, mas o projeto não teve sucesso.
Ativo na vida cultural parisiense, Truffaut integrou a sociedade cinematográfica Objectif 49 e era assíduo no Club du Faubourg. Foi precisamente no prestigiado clube que, em 1950, o editor literário da revista Elle lhe ofereceu emprego, depois de ficar impressionado com a sua eloquência.
Truffaut começou a escrever para outras publicações, como a Ciné-Digest, a Lettres du Monde e a France-Dimanche, assumindo até, em alguns trabalhos, o papel de fotógrafo. Após alguns meses, acabou por se fartar desse tipo de jornalismo, que considerava «supérfluo».
A sua primeira marca no mundo do cinema foi deixada através do jornalismo, enquanto crítico.
Realizador in the making
O controverso artigo divulgou o seu nome e despertou a atenção de outras publicações, entre as quais o semanário Arts-Lettres-Spectacles, onde Truffaut se tornou responsável pela coluna cinematográfica.
O seu estilo era feroz, direto e opinativo, sugerindo uma nova visão para o cinema. O impacto das suas palavras era tal que ficou conhecido como «Le Fossoyeur» [«O Coveiro»] do cinema francês.
Na redação da Les Cahiers du cinéma, Truffaut integrava um grupo de jovens críticos, batizados por Bazin como os «Hitchcocko-Hawksians», uma referência aos seus realizadores favoritos.
Do grupo também faziam parte Jacques Rivette, Eric Rohmer, Claude Chabrol, and Jean-Luc Godard , que viriam a estar no centro da Nouvelle Vague.
Entre março de 1953 e novembro de 1959, Truffaut publicou 170 artigos na LesCahiers du cinéma, na sua maioria críticas cinematográficas ou entrevistas com realizadores. A sua escrita inteligente e provocadora agitou o mundo do cinema francês.
«Em retrospetiva, as minhas críticas parecem mais negativas do que o contrário, pois considero mais estimulante condenar do que elogiar; era melhor a condenar do que a defender. E arrependo-me disso».
O seu estilo muito próprio não foi unanimemente aceite. Em 1958, a organização do Festival de Cannes recusou-se a acreditá-lo como jornalista.
A justificação? Um artigo publicado no ano anterior, em que acusava a indústria cinematográfica francesa de produzir «demasiados filmes medíocres» e descrevia Cannes como «um falhanço dominado por acordos, esquemas e faux pas».
Truffaut foi o único crítico francês sem convite.
A caneta e a câmara
Apesar do sucesso enquanto crítico, Truffaut almejava estar atrás das câmaras.
«No início, não sabia se seria um crítico ou um cineasta, mas sabia que seria algo assim. Tinha pensado em escrever, na verdade, e que mais tarde seria escritor. Depois decidi que seria crítico cinematográfico. Então comecei a pensar, gradualmente, que devia fazer filmes».
A sua primeira experiência atrás da câmara foi a curta-metragem de oito minutos, Une visite, que terá sido gravada por volta de 1954/1955, seguindo-se Les Mistons, de 1957.
Em 1959, foi lançado Les quatre cents coups, um sucesso imediato que lhe valeu o prémio de melhor realizador em Cannes. A obra ajudou a estabelecer o movimento Nouvelle Vague e a divulgar a sua visão inovadora sobre o cinema.
Dois anos depois, estreou Jules et Jim, aclamado como um dos clássicos do cinema francês, confirmando o seu talento e marcando o início de uma carreira profícua.
A consagração na Sétima Arte
A sua produção cinematográfica diminuiu de ritmo em meados dos anos 60, enquanto se debatia com a produção de Farenheit 451 (1966) e trabalhava num livro sobre Alfred Hitchcock, um dos seus ídolos. A obra era baseada em mais de 25 horas de entrevistas feitas por Truffaut ao cineasta britânico.
No final da década e no início dos anos 70, lançou vários títulos de sucesso, nomeadamente Baisers volés (1968) e Les deux anglaises et le continent (1971). Le Dernier Metro (1980) tornou-se um dos seus filmes mais galardoados, conquistando 10 Prémios César.
Em 1974, o trabalho de Truffaut foi reconhecido em Hollywood. La nuit américaine (1973) venceu o Óscar de melhor filme estrangeiro.
A crítica como exercício
Truffaut reconheceu, em entrevista, que o seu trabalho enquanto realizador foi influenciado pela sua carreira de crítico cinematográfico e pela sua incessante «obsessão» em ver filmes.
«Penso que ser crítico me ajudou, porque adorar filmes ou ver imensos não é suficiente. Ter de escrever sobre filmes ajuda-te a compreendê-los melhor. […] A crítica é um bom exercício, mas não deves fazê-lo demasiado tempo».
Publicou dois livros, que ajudam a conhecer melhor o homem por detrás da câmara: Les Films de Ma Vie e Truffaut par Truffaut.
Truffaut apareceu, enquanto ator, em vários dos seus filmes, com destaque para L'enfant sauvage (1970). O cineasta participou, também como ator, em Close Encounters of the Third Kind (1977), de Steven Spielberg.
Pouco tempo depois de terminar o seu último filme, Vivement dimanche! (1983), Truffaut foi diagnosticado com um cancro cerebral. O cineasta morreu a 21 de outubro de 1984, em Neuilly-sur-Seine, em França.
A 6 de fevereiro de 2012, naquele que seria o seu 80.º aniversário, foi homenageado pela Google através de um doodle que revisita as suas principais obras.
François Truffaut e a Nouvelle Vague francesa revolucionaram o cinema da época e deixaram o seu nome na história da cultura. O seu contributo ficou imortalizado nas suas metragens e a sua influência ainda hoje se faz sentir mundo da 7.ª Arte.