O primeiro comunicado de imprensa

Em 1906, nascia o primeiro comunicado de imprensa e tinha início uma nova era no mundo da Comunicação. De Júlio César aos Lucky Strike, a História das Relações Públicas.

A 28 de outubro de 1906, um comboio da Pennsylvania Railroad sofreu um trágico acidente, que resultou na morte de mais de 50 passageiros.

A Pennsylvania Railroad enfrentava um dos momentos mais mediáticos e delicados da sua história.

A acompanhar de perto o caso estava o especialista em Relações Públicas, Ivy Lee.

Em vez de procurar ocultar os factos mais trágicos e esperar para ver a cobertura jornalística do acidente, Lee decidiu antecipar-se.

Entregou aos jornalistas um documento, relatando o acontecimento na perspetiva da Pennsylvania Railroad.

Nascia, assim, o primeiro Comunicado de Imprensa.

A 30 de outubro de 1906, o The New York Times publicou a notícia, sem qualquer alteração ao texto de Ivy Lee.

Além de distribuir o comunicado de imprensa aos jornalistas, Lee também aconselhou a Pennsylvania Railroad a disponibilizar comboios especiais para transportar os repórteres até ao local do acidente.

Nas semanas que se seguiram, a imprensa e os oficiais públicos elogiaram a empresa pela sua abertura e honestidade.

A estratégia utilizada por Ivy Lee é considerada o primeiro exemplo de comunicação de crise moderna.

Contrariamente às abordagens anteriores, Ivy Lee acreditava que uma empresa devia tentar conquistar confiança pública e "good will" [«boa-vontade»]  ao apresentar a sua posição de forma honesta e precisa.

Em 1904, cofundou a agência de Relações Públicas Parker and Lee. O seu slogan era: “Accuracy, Authenticity and Interest” [«Exatidão, Autenticidade e Interesse»].

No entanto, a sua abordagem nem sempre era consensual.

Ivy Lee foi contratado por empresas detentoras de minas de carvão para as representar durante uma greve de trabalhadores.

Os operários já tinham falado com a imprensa e os proprietários também queriam ter uma palavra a dizer relativamente ao que saía nos jornais.

Desta vez, a receção ao comunicado enviado à imprensa não foi tão calorosa.

Os jornalistas mostraram-se hostis, considerando o documento um «artigo disfarçado», enviado para manipular a cobertura noticiosa.

Em resposta às críticas, Lee divulgou uma “Declaration of Principles” [«Declaração de Princípios»], onde se podia ler:

“In brief, our plan is, frankly and openly, on behalf of business concerns and public institutions, to supply to the press and public of the United States prompt and accurate informationconcerning subjects which it is of value and interest to the publicto know about”. [«Em suma, o nosso plano é, de forma franca e aberta, em nome de negócios e instituições públicas, fornecer à imprensa e ao público dos Estados Unidos informação célere e precisa sobre assuntos que têm valor e interesse para o público»].

As Relações Públicas tinham agora um novo paradigma de comunicação: “The public be informed” [«Que o público seja informado»].

Nasce uma profissão

A evolução das Relações Públicas surge associada ao desenvolvimento económico e social dos Estados Unidos.

Foi precisamente em Boston que, em 1900, foi fundada a primeira agência, o Publicity Bureau, ilustrando os esforços de profissionalização.

As Relações Públicas modernas, na verdadeira assunção do termo, nasceram depois de séculos de evolução na área da Comunicação. A sua história atravessa diversas esferas da sociedade.

Para alguns especialistas, já em 50 a. C. Júlio César utilizava técnicas rudimentares de Relações Públicas, ao divulgar as suas conquistas militares através de uma publicação.

No século XVII, a Igreja Católica cunhou o termo «propaganda», que viria, no século XX, a adquirir uma conotação negativa.

Na política, o primeiro Presidente a utilizar o termo «Relações Públicas» foi Thomas Jefferson.

O terceiro Presidente dos Estados Unidos (1801-1809), e o principal autor da declaração de independência (1776) daquele país utilizou o termo numa comunicação ao Congresso, em 1807.

As “Fireside chats” de Roosevelt, já em 1933, também são consideradas uma forma de inovação na comunicação política.

O Presidente dirigia-se aos norte-americanos através da rádio, num tom informal e tranquilizador, que contrastava com as abordagens mais distantes e institucionalizadas de outros líderes.

Mas nem só de sucessos se fez a história das Relações Públicas.

A desconfiança sobre as técnicas empregues na comunicação mediática é antiga e, em alguns casos, justificada.

“The Greatest Show on Earth” [«O Maior Espetáculo do Planeta»]. Era assim que P. T. Barnum anunciava o seu circo ambulante, o mais popular do século XIX.

E foi na arena do Barnum & Bailey Circus que começaram a ser empregues algumas das técnicas que escreveram o nome de Barnum na história das Relações Públicas, não pelos melhores motivos.

Barnum escolhia nomes curtos para as suas atrações, de forma a que coubessem nas manchetes; organizava eventos mediáticos - como o casamento entre «o homem mais alto» e «a mulher mais gorda» do mundo - e escrevia cartas falsas para os editores, tudo de forma a gerar atenção mediática.

O objetivo?

Criar publicidade para o Barnum & Bailey Circus.

Por detrás das suas técnicas, uma filosofia de comunicação: “The public be fooled” [«Que o público seja enganado»].

Mas Barnum não era o único a subestimar o valor da informação e o discernimento do público.

No outono de 1882, William Henry Vanderbilt, um dos homens mais ricos do mundo, viajava de comboio para Chicago quando foi questionado pela imprensa sobre um dos seus serviços ferroviários, que estava a dar prejuízo.

“It doesn’t pay expenses. We would abandon it if it was not for our competitor keeping its train on” [Não paga as despesas. Iríamos abandoná-lo se o nosso concorrente não mantivesse o seu comboio»].

«But don’t you run it for the public benefit?”, perguntou o jornalista. [«Mas não o mantêm devido ao benefício público?»]

“The public be damned” [«Que o público se dane»].

As críticas não se fizeram tardar.

Uma área em crescimento

A importância da comunicação tornava-se, cada vez mais, fundamental para as empresas e indivíduos.

O seu valor viria, uma vez mais, a demonstrar-se essencial durante a chamada «Batalha das Correntes».

A empresa de Thomas Edison, defensora da utilização da corrente elétrica contínua, usou “scare techniques” para desacreditar a corrente alternada, desenvolvida por Nikola Tesla e promovida pela Westinghouse Electric Company.  

Ao eletrocutar publicamente animais e fazer lobby contra a corrente alternada, pretendiam provar que este era um método perigoso.

A campanha acabou por se revelar infrutífera e a corrente alternada tornou-se a opção mais popular.

A informação – ou, no caso, a desinformação – esteve, uma vez mais, no centro do debate.

Uma lição que a família Rockefeller também acabaria por aprender.

Em 1914, os trabalhadores das minas dos Rockefeller, no Colorado, que se encontravam em greve, envolveram-se em confrontos com os guardas, causando dezenas de mortos. O episódio ficou conhecido como o massacre de Ludlow.

A tragédia chocou o país e manchou o nome da família na opinião pública.

Ivy Lee foi contratado com uma missão: atenuar o impacto da imprensa negativa e melhorar a imagem pública da família Rockefeller.

O especialista começou por enviar, com regularidade, boletins para os jornais do Colorado, onde apontava a «mass of misinformation and misrepresentation contained in recent issues of the public press» [«quantidade de informação e representação falsas divulgadas em edições recentes da imprensa pública»] e divulgava nova informação.

A imagem pública de John D. Rockefeller Jr. também mudou.

O magnata prometeu deslocar-se pessoalmente a Ludlow e falar com os mineiros e as famílias.

A visita foi um sucesso.

Ivy Lee continuou a acompanhar os Rockefeller e os seus interesses corporativos ao longo dos anos que se seguiram.

Através da criação de fundações filantrópicas e da aposta na informação e transparência, Ivy Lee contribuiu para criar uma imagem favorável da família Rockefeller junto da opinião pública.

Os pioneiros

Embora a sua influência seja incontestável, Ivy Lee não foi o único pioneiro da área.

Edward Bernays também contribuiu de forma notória para o desenvolvimento da teoria das Relações Públicas.

Aplicando diversos conceitos do seu tio, Sigmund Freud, Bernays escreveu vários livros sobre Relações Públicas, os mais conhecidos dos quais são  Crystallizing Public Opinion, Propaganda e The Engineering of Consent.

Bernays também se destacou pelo seu trabalho no terreno.

A sua campanha mais famosa foi desenvolvida para a Lucky Strike.

De forma a expandir o mercado da marca de cigarros, Bernays decidiu direcionar os seus esforços para o público feminino.

O seu primeiro problema: as mulheres não gostavam do pacote verde de Lucky Strike, que não combinava com as cores das suas roupas.

Devido aos elevados custos envolvidos na alteração do pacote de Lucky Strike, Bernays decidiu mudar… o mundo da moda.

O especialista de Relações Públicas convenceu designers e decoradores a incorporarem o verde escuro da Lucky Strike nas suas coleções.

Organizou ainda o Green Ball, no Waldorf-Astoria, em Nova Iorque, com algumas das mais famosas socialites da época.

De forma a contornar o tabu da mulher fumadora, Bernays associou, em 1929, os cigarros ao movimento feminista.

Convocou debutantes norte-americanas para, em pleno domingo de Páscoa, marcharem pela Quinta Avenida a fumar aquilo a que chamava “torches of freedom” [«tochas de liberdade»].

A imprensa não resistiu a reportar o evento.

«A Group of Girls Puff at Cigarettes as a Gesture of 'Freedom‘» [«Um Grupo de Raparigas Fuma Cigarros como Gesto de ‘Liberdade’»], escreveu o The New York Times a 1 de abril.

A campanha teve repercussões nos jornais de norte a sul do país e contribuiu para a mudança de mentalidades.

Por esta altura, os avanços no exercício de Relações Públicas já tinham chegado às salas de aula.

Em 1923, Bernays lecionou, na New York University, o primeiro curso universitário vocacionado para esta área.

As Relações Públicas davam início ao seu caminho para se tornarem num setor com regras e princípios, onde o respeito pelo público e a exatidão da informação são valores centrais.