O vice e a estrela da TV
A 8 de novembro de 1960, John F. Kennedy torna-se o 35.º Presidente dos EUA. Mas, para muitos, o candidato democrata tinha vencido as eleições mais de um mês antes. Kennedy e Nixon protagonizam o primeiro debate político transmitido na televisão: um momento de viragem para a comunicação política e para a própria forma de pensar e fazer política.
A 26 de setembro de 1960, mais de 70 milhões de norte-americanos ligaram a televisão para assistir ao primeiro debate presidencial a ser transmitido no pequeno ecrã.
De um lado, o candidato republicano, Richard Nixon, há oito anos na vice-presidência do país. Do outro, o democrata John F. Kennedy, um jovem e católico senador do Massachusetts.
Nixon chegava aos estúdios da CBS como o provável futuro Presidente, a crer nas sondagens divulgadas no mês anterior. O debate mudou tudo.
Ainda a recuperar de um internamento hospitalar e sempre apostado na sua imagem máscula, o vice-Presidente recusou-se a usar maquilhagem e surgiu nos ecrãs com uma aparência cansada e esmorecida.
O seu fato cinzento confundia-se com o fundo, a sua tez era pálida, a testa brilhava; o seu desconforto tornava-se evidente para os milhões de norte-americanos que assistiam ao debate.
No púlpito oposto, Kennedy tinha a aparência de um vencedor. Jovem, bronzeado, atlético. O senador encantou os telespetadores com um aspeto confiante e relaxado.
O facto de encarar diretamente a câmara ao responder às questões, em vez de olhar para os jornalistas que as colocaram, como fez Nixon, levou a que os espetadores o percecionassem como alguém que estava a falar diretamente para eles e a responder às questões de forma direta e honesta.
O resultado não foi consensual. O público norte-americano que assistiu ao debate através da televisão atribuiu a vitória a Kennedy; quem acompanhou através da rádio considerou que Nixon esteve melhor.
Mas, em 1960, os ouvintes já estavam em clara minoria: 88 por cento dos lares norte-americanos tinha televisão.
Os candidatos voltaram a defrontar-se em frente da câmara mais três vezes. Os confrontos televisivos entre Kennedy e Nixon não só fizeram história na política norte-americana, mas também foram inovadores na Comunicação audiovisual.
O terceiro debate marcou a primeira utilização da tecnologia de split screen – embora parecessem estar ambos na mesma sala, Nixon estava em Los Angeles e Kennedy estava em Nova Iorque.
Nos debates que se seguiram, Nixon apercebeu-se da importância da imagem e da linguagem televisiva. Contudo, o poder da televisão e o seu imediatismo imagético confirmava-se: a audiência dos restantes duelos televisivos foi significativamente mais baixa.
A lição, essa ficou para a vida. Dois anos depois, Nixon escrevia no seu livro Six Crises: “I should have remembered that ‘a picture is worth a thousand words’” [«Devia ter-me lembrado que “uma imagem vale mais do que mil palavras”»].
Da política do Massachusetts à capa da Time
A atenção mediática de que Kennedy era alvo não tinha começado com a candidatura às presidenciais. Desde o início da sua carreira política, o senador cultivava cuidadosamente a sua imagem e a sua relação com os media.
Membro de uma das famílias mais influentes e proeminentes do país, Kennedy apoiou-se na imagem de harmonia no lar para a criação da sua imagem pública e para a sua ascensão política.
O seu casamento com Jacqueline Bouvier, em 1953, foi alvo de intensa cobertura mediática.
Meses antes, o casal tinha aparecido na capa da prestigiada revista Time e os seus nomes eram presença assídua nas páginas de sociedade da imprensa norte-americana.
A sua mulher tornou-se parte integrante da sua campanha presidencial: Jaqueline mostrou o seu apoio público ao marido e chegou mesmo a protagonizar anúncios eleitorais. Durante a gravidez, por conselho médico, deixou de acompanhar JFK nas viagens.
Bem avisada, e receando o efeito que a sua ausência pudesse ter na campanha, Jacqueline começou a escrever uma coluna diária na qual apelava ao voto feminino. Assim surgiu “Campaign Wife”, uma coluna publicada em jornais pelo país fora.
Enquanto Nixon se concentrava em visitar a totalidade dos estados norte-americanos, Kennedy entrou mesmo na casa dos seus eleitores, intuindo já o poder da televisão, à época um meio em ascensão, que não se abstinha de utilizar na sua campanha.
O candidato democrata participou ainda em diversos programas televisivos e conseguiu o apoio de estrelas como Frank Sinatra, que cantou a sua música de campanha. Com a ascensão de Kennedy no sistema político norte-americano, esbatia-se a fronteira entre político e estrela mediática.
A oportunidade de ouro para a equipa de Comunicação de Kennedy surgiu no final de uma conferência de imprensa do Presidente Eisenhower. O líder norte-americano foi questionado sobre as contribuições do então vice-Presidente Nixon para a sua presidência. “If you give me a week, I might think of one” [«Se me der uma semana, talvez consigo pensar numa»], respondeu.
Eisenhower acabaria por afirmar que a declaração se tratava de um comentário sobre a sua fadiga e não sobre a competência (ou falta dela) do seu vice-Presidente.
Mas era tarde demais.
Os Democratas tinham recebido de bandeja um slogan poderoso. Melhor ainda, o slogantinha sido proferido, ainda que inadvertidamente, pelo adversário – e na política, um presente melhor que este é difícil de encontrar.
Rapidamente a frase saltou para anúncio televisivo: “President Eisenhower could not remember, but the voters will remember” [«O Presidente Eisenhower não se conseguiu lembrar, mas os eleitores vão lembrar-se»]. E os eleitores lembraram-se.
O Presidente da nova era
O momento da decisão chegou em novembro de 1960. Depois de meses de campanha, quatro debates e milhões de espetadores a acompanhar avidamente os duelos televisivos, os norte-americanos iam às urnas escolher o próximo Presidente.
Antes da meia-noite o The New York Times publicou a manchete “Kennedy Elected President” [«Kennedy Eleito Presidente»].
Nixon foi o primeiro candidato na história eleitoral presidencial americana a perder uma eleição apesar de ter a maioria dos Estados do seu lado.
Kennedy, então com 43 anos, foi o mais novo Presidente eleito na História dos Estados Unidos.
Sondagens efetuadas pela altura das eleições revelaram que mais de metade dos eleitores tinha sido influenciada pelos debates televisivos, ainda que apenas seis por cento considerassem que este tinha sido o fator decisivo.
Quatro dias depois de ter sido eleito, também Kennedy reconheceu o papel do novo meio na sua vitória: "It was the TV more than anything else that turned the tide" [«Foi a televisão, mais do que qualquer outra coisa, que inverteu o curso dos acontecimentos»].
O debate tornou-se uma marca na História da política norte-americana, não só porque contribuiu para a inesperada vitória de Kennedy, mas também porque assinalou o início de uma era em que a televisão dominou o processo eleitoral.
Um paradigma que as redes sociais vieram destabilizar.