Fernando Pessa

Cobriu os bombardeamentos nazis, foi produtor e locutor e integrou os quadros da RTP já depois da idade da reforma. Fernando Pessa, uma voz que acompanhou gerações e que ficou imortalizado como uma das grandes figuras do Jornalismo português.

Fernando Pessa queria ser militar.

Nascido no dia 15 de abril de 1902, a sua infância foi vivida entre em Aveiro e Coimbra.

Após os estudos secundários, tentou ingressar na carreira militar como oficial de Cavalaria. Dada a abundância de oficiais como resultado da Primeira Guerra Mundial, Pessa não foi aceite.

Começou por trabalhar numa companhia de seguros, trabalho que o levou ao Brasil até 1934.

No mesmo ano, candidata-se aos quadros da recente Emissora Nacional (EN), ficando classificado em segundo lugar. Transformou-se no primeiro locutor da estação de rádio do Estado Novo.

 

 

Nos primeiros tempos da EN, a estação carecia de ruídos e sons gravados para a recriação de ambientes, tendo de ser tudo feito em direto.

Pessa, ao receber um peru em vésperas de Natal, tentou que o animal reproduzisse o seu som característico em plena emissão.

O Jornal Rádio Semanal fora fotografar Pessa e o peru no ambiente radiofónico de registo, tendo a foto feito a primeira página da publicação.

O que não se soube foi o insucesso deste estratagema, que forçou o locutor a recorrer a um amigo perito em imitações.

Fernando Pessa manteve-se na Emissora Nacional até 1938, ano em que foi convidado para trabalhar na secção portuguesa da BBC, em Londres.

Jornalista em tempo de guerra

Iniciou o seu percurso na rádio britânica, com sotaque, na secção brasileira, passando para a secção portuguesa em 1940.

Aqui assistiria aos bombardeamentos alemães, profissionalizando-se como correspondente de guerra durante a Segunda Guerra Mundial. A ironia povoada no seu relato das notícias constituiu-se como uma das suas características mais marcantes.

As transmissões em português da BBC foram ganhando popularidade, especialmente devido ao programa Retiro da Blitz, onde Pessa interpretava fados por ele escritos, ridicularizando a figura de Hitler e as suas investidas contra Londres.

Em 1947, no seu regresso a Portugal, casou com Simone Alice Ruffier, que conheceu na BBC em Londres.

Voltando ao país de origem, o jornalista foi impedido de reintegrar a EN. O acesso vedado devia-se a razões de ordem política. Pessa, ao ter apoiado os Aliados durante a guerra, já não se encontrava nas boas graças do regime salazarista.

Sem o jornalismo, valeu-lhe a sua voz radiofónica: dedicou-se à sonorização de documentários, muito exibidos nas salas de cinema, uma vez que a televisão em Portugal ainda era inexistente.

Destacam-se os documentários de Manoel de Oliveira Os Últimos Temporais, Cheias do Tejo (1937) e Portugal Já Faz Automóveis(1938), aos quais Fernando Pessa deu a voz.

Em 1959, Pessa acabou por ser contratado para trabalhar no plano de apoio à Europa após a Segunda Guerra Mundial, o Plano Marshall. Além do seu papel de adjunto, narrava os materiais produzidos pela Missão e pela NATO.

A notoriedade que o jornalista alcançou enquanto repórter de guerra na emissora radiofónica britânica garantiu-lhe a honra na primeira emissão em direto da RTP, a partir da Feira Popular de Lisboa, a 7 de março de 1957.

Em 1976, aos 74 anos, bem depois da normal idade de reforma, integraria os quadros da RTP

A personalidade televisiva

Foi durante as suas reportagens de rua que Fernando Pessa se destacou com a célebre frase «E esta, hein?». Nestas emissões o repórter denunciava as situações mais desagradáveis do quotidiano, enviando mensagens aos responsáveis pelo bem público. Rapidamente tornar-se-ia o jornalista de fait-divers inesquecíveis da televisão portuguesa no século XX.

Em novembro de 1974, por ocasião da Feira da Golegã, Pessa prepara uma reportagem para a RTP, que tinha como esboço a viagem de Lisboa à Golegã a bordo de um helicóptero.

O experiente piloto considerou que a reportagem seria mais espetacular se a aterragem e levantamento do helicóptero fosse feita a partir pátio de acesso ao Estúdio 1 da RTP. Devido a uma fuga de ar do poço constituído pelas paredes dos edifícios circundantes, o aparelho, ao aterrar, caiu num estrondo, tendo ficado completamente destruído. A peça jornalística seria cancelada, enquanto Fernando Pessa acompanhava o piloto ao hospital.

 

 

O repórter recebeu ainda vários prémios e condecorações. Em 1959, foi agraciado com a Ordem do Império Britânico, dada pela Rainha Isabel II, pelos seus serviços como correspondente de guerra na BBC.

Em 1981, foi distinguido com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, pelo Presidente da República Ramalho Eanes. Dez anos mais tarde, Mário Soares atribuiu-lhe o título de Grande-Oficial da Ordem do Mérito.

Só em 1995, aos 93 anos, Fernando Pessa se reformou.

A 29 de abril de 2002, Fernando Pessa faleceu no Hospital Curry Cabral, em Lisboa, duas semanas após ter completado 100 anos de idade.

De uma ambicionada carreira militar que nunca se viria a concretizar, Fernando Pessa tornou-se jornalista sem saber, quando concorreu, por graça, à Emissora Nacional.

A sua incursão no jornalismo acabou por se provar a melhor coisa que aconteceu à televisão portuguesa.

Pessa, sempre conhecido pelo seu porte distinto e elegante, chegou até a ser confundido por um diplomata pelo diretor-geral da BBC. E esta, hein?