Guerra 4G
O acesso à informação altera-se. E, com essa mudança, transforma-se a cobertura mediática dos acontecimentos. A comunicação em tempo real impôe-se através das redes sociais - que começam a acolhar cada vez mais jornalistas e... jornalistas-cidadãos.
A espera pela televisão ou pela rádio para se saber de notícias caiu por terra. A internet virou o principal meio de acesso, e o imediatismo do Twitter tornou-se uma das principais fontes de informação para os jornalistas.
O conceito de última hora, e das «breaking news» como as conhecemos, morreu. As redes sociais viraram concorrência para os repórteres.
Em primeira mão
A 6 de junho de 2015, rebeldes em Sa’dah, no Iémen, lançaram um míssil à cidade de Khamis Mushayt, na Arábia Saudita.
O míssil quase chegou ao seu destino, se não fossem dois mísseis lançados pelas forças militares da Arábia Saudita a intercetarem a missiva a meio do seu trajeto.
A razão? O Twitter.
O Tenente Geral Vincent Stewart anunciava o episódio durante o jantar da Intelligence and National Security Alliance’s (INSA), a 30 de julho de 2015.
“The first warning of that event: ‘hashtag scudlaunch’… Someone tweeted that a Scud had been launched, and that’s how we started to search for this activity.” [«O primeiro aviso desse evento: “hashtag scudlaunch”… Alguém tuítou que um Scud havia sido lançado, e foi como iniciámos a procura por esta atividade»].
De acordo com a BBC Monitoring, que analisa os media locais em mais de 100 línguas de 150 países, deu conta de vários tweets de diversos utilizadores que reportaram o lançamento do míssil em tempo real.
Às 2:45, à hora da interceção, o utilizador @MiZo729 tuíta: «Urgente: forte explosão ouvida nos arredores de Abha!».
Às 3:31, o utilizador @7kayaa6 publicou um pequeno vídeo que dava conta das sirenes de ataque: «Sirenes de aviso na cidade, um míssil militar foi disparado contra Khamis Mushait e, felizmente, foi intercetado por um míssil Patriot e destruído».
Às 4:05, um vídeo do acontecimento já circulava no YouTube.
Pouco depois, os eventos chegavam aos media. Às 5:45, a Saudi Press Agency anunciava o acontecimento oficialmente na sua conta do Twitter.
Pelas 8:13, a Associated Press emitia o alerta de notícia de última hora, e 23 minutos depois, a AlJazeera English transmitia a sua própria história.
Este episódio mostra bem a importância das redes sociais no relato dos acontecimentos minuto a minuto.
Em situações de conflito, a característica do tempo real oferecida pelas redes sociais torna-se ainda mais vital para fornecer uma perspetiva nunca antes vista.
Os media tradicionais já não detêm o monopólio de como as catástrofes e a guerra são representadas visualmente.
Hoje, 350 milhões de fotografias são publicadas no Facebook todos os dias, 27.800 fotografias são partilhadas no Instagram a todos os minutos e 20% de todas as imagens na história da fotografia foram tiradas nos últimos dois anos.
A imagem tornou-se dominante na comunicação.
Bem-vindo à era da tecnologia.
De utilizador a «produser»
Apesar da banalidade de muitas das fotografias publicadas nas redes sociais, várias pessoas utilizam estas ferramentas para alertar consciências e documentar atrocidades, conflitos e causas.
Numa era em que o utilizador passa também a ter o papel de produtor e se transforma em «produser», são as redes sociais que permitem esta partilha de conteúdos e uma perspetiva diferente dos acontecimentos.
O visual ganha assim um poder capaz de mobilizar cidadãos em todo o mundo.
A 17 de dezembro de 2010, na Tunísia, Mohamed Bouazizi imolou-se em protesto após a polícia ter confiscado a sua banca de vegetais e fruta.
Uma acha havia sido lançada para a fogueira que se iria alastrar por todo o país.
Imagens e vídeos de um Mohamed Bouazizi hospitalizado circularam numa rede de familiares e amigos da vítima, via online. Movimentos de revolta organizaram-se no Facebook e no Twitter, apelando à revolução e aos protestos em massa contra a repressão política do Presidente Zine al-Abidine Ben Ali, bem como a pobreza generalizada e as altas taxas de desemprego.
O Governo tentou banir as redes sociais e os sites de vídeo como o DailyMotion e o YouTube. Mas as tentativas viam-se goradas: dentro de dias, as redes sociais eram o instrumento de escolha das pessoas apologistas da democracia.
Menos de 20% da população na Tunísia utilizava de forma ativa as redes sociais, mas a maioria tinha acesso a um telemóvel.
A revolta, denominada «Revolução de Jasmim» nos media, forçou o Presidente a fugir do país a 16 de janeiro de 2011.
O sucesso da revolta foi a inspiração para os países do Médio Oriente e do Norte de África, onde os protestos rapidamente se espalharam como fogo.
A Primavera Árabe estava em movimento.
Tudo graças às redes sociais: as tecnologias ajudaram os apoiantes da democracia a construir extensivas redes de comunicação entre si, e a organizar a ação política.
A máxima que antes ditava que a revolução não seria transmitida pela televisão sofreu uma volta de 180º.
Desta vez, a revolução foi tuítada.
À medida que os distúrbios no Egito se intensificavam, as pessoas recorriam cada vez mais ao Twitter para relatar o que se passava. A hashtag rapidamente criada dava conta desta nova forma de fazer revolução: #Twitterrevolution.
O fenómeno chegou aos programas de comédia dos EUA quando Jon Stewart, no The Daily Show, aproveitou o recente poder das redes sociais para criticar o Governo.
“If two speeches and a social media site is all we needed to spread democracy then why did we invade Iraq, why didn’t we just, I don’t know, poke them.”
«Se dois discursos e uma rede social é tudo o que precisamos para disseminar a democracia, então por que invadimos o Iraque, porque, não sei, não nos limitámos apenas a mandar-lhes um toque?»
Ativismo nas redes
Contudo, não foram só as formas de ativismo que mudaram.
O chamado «Clicktivism», ao basear-se no paradoxo de tomar ação à distância de um clique, no conforto do sofá ou da cadeira, foi sempre visto com uma conotação negativa.
O mundo tornou-se indivisível da Internet e das redes sociais, especialmente para a juventude que nasceu sob a influência das novas tecnologias.
Se, por um lado, as pessoas se comprometem e envolvem no mundo virtual; por outro, é impossível não o fazerem no mundo real.
Com a promessa de melhorar este mundo, é impossível não apelar à mudança através das redes sociais.
Em dezembro de 2014, num cerco de 16 horas feito a um café em Sidney, na Austrália, morreram dois reféns.
A consequência deste ato rapidamente chegou às redes sociais. Várias mensagens antimuçulmanas proliferaram e, juntamente com elas, nasceu uma hashtag contrária: #illridewithyou. O objetivo? Apoiar emocionalmente os muçulmanos perseguidos nos transportes públicos.
Tudo começou quando a população Facebookiana implicou com uma publicação feita por Rachel Jacobs. Nela, a utilizadora contava que tinha visto uma mulher muçulmana a retirar o seu hijab para evitar ser vitimizada em público. Rachel abordou-a e ofereceu-se para a acompanhar, para a proteger de possíveis assédios.
Depois dos incidentes no jornal satírico Charlie Hebdoem janeiro de 2015, as redes sociais despertaram com mensagens de apoio através da imagem a preto com a frase «Je suis Charlie».
Mas este não foi um gesto isolado.
No Instagram, mais de um milhão de resultados mostrava a imagem icónica. Um dia depois do ataque, a hashtag #jesuischarlie era usada 6.500 vezes por minuto.
As hashtags #jesuischarlie e #illridewithyou são dois exemplos de «Clicktivism» no seu lado mais generoso e solidário. Este tipo de ativismo não é preguiçoso e desligado, pelo contrário, move multidões não só no mundo virtual, mas também no mundo real.
Ao segundo
6 de agosto de 2011. 9 horas da noite. Várias mensagens curiosas começaram a circular no Twitter.
Mais tarde, a hashtag #TottenhamRiots tornou-se trending topic. As pessoas usavam o Twitter para obter mais informações e notícias sobre os tumultos em Londres, assim como avisar amigos e entes queridos que estavam a salvo.
As notícias de que um protesto contra a morte de Mark Duggan pela polícia tinha escalado para a violência eram trocadas entre os utilizadores do Twitter muito antes de os jornalistas chegarem ao local.
Durante os motins, que se espalharam um pouco por toda a cidade de Londres, as redes sociais desempenharam um papel importante para identificar e capturar os responsáveis.
A polícia chegou mesmo a utilizar as redes sociais para investigar vários suspeitos e prevenir novos casos de vandalismo e futuros danos.
Mais uma vez, as redes sociais mudavam o mundo.
No entanto, a utilização das redes sociais, especialmente em contexto de guerra, tem o reverso da moeda.
Há que pensar duas vezes antes de se publicar nas redes sociais. E para os soldados na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, esta é uma questão de vida ou de morte.
O uso crescente do Facebook e do seu equivalente russo, Vkontakte, já custou vidas e danos a muitas das tropas do conflito.
Por um lado, as selfies e as publicações dos soldados informam os seus familiares e amigos sobre o seu bem-estar.
Por outro, revelam as posições geográficas das tropas.
As redes sociais não mudaram apenas o mundo jornalístico, mas também o ativismo.
Quer seja algo simples como gostar de uma página, partilhar opiniões ou documentar ações que consideremos erradas, a internet abriu todo um novo caminho em direção da mudança.
Com ou sem «likes», o mundo nunca mais será o mesmo.