MÁRIO MESQUITA
(1950 – 2022)
“Fazendo as contas, fui mais anos professor do que fui jornalista.
Mas as pessoas quando se referem a mim dizem ‘o jornalista Mário Mesquita’. Presumo que no meu necrológio também sairá ‘o jornalista Mário Mesquita'"(1)
José Rebelo, Onésimo Teotónio Almeida, Maria Emília Brederode Santos, Manuel Anta, António José Teixeira e Isabel Babo dão o seu testemunho sobre Mário Mesquita.
Mário António da Mota Mesquita nasceu no dia 3 de janeiro de 1950 em Ponta Delgada, Açores, onde, em 1967, concluiu o Curso Complementar dos Liceus. Licenciou-se em Comunicação Social na Universidade Católica de Lovaina, Bruxelas, em 1989. Foi jornalista, político, investigador e professor.
RESISTENTE, JORNALISTA E POLÍTICO
A carreira jornalística de Mário Mesquita iniciou-se em 1971, no jornal República, onde permaneceu até 1975, ano em que viveu um dos momentos mais importantes da história da comunicação social portuguesa pós-25 de Abril, o chamado “Caso República”. Anos mais tarde e, enquanto investigador, dedicará vários trabalhos ao tema, procurando provar que, como o recorda a socióloga e docente universitária Isabel Babo, se tratou realmente de um acontecimento que foi simultaneamente uma questão jornalística e um “objeto analítico”.
Inserido no contexto do denominado “Verão Quente de 75”, dominado por um conjunto de ações visando o controlo dos órgãos de comunicação social por parte de forças políticas, merece, de facto, especial referência a ocupação, por membros da comissão de trabalhadores, do jornal República (19 de maio de 1975), um diário vespertino que, com marcada tendência socialista, era referenciado pela sua luta de décadas, de oposição ao Estado Novo. Foi um dos jornais que, na sequência do 25 de Abril, ficou fora da influência do Partido Comunista.
Assumindo publicamente uma contestação à orientação política seguida pela direcção, em maio de 1975, trabalhadores (tipógrafos, administrativos, gráficos e alguns jornalistas), ocuparam a redação, exigindo a sua participação activa na tomada de decisão da linha editorial do jornal. Reagindo de imediato, o Partido Socialista, liderado por Mário Soares, acusa o PCP de querer controlar a comunicação social.
Com esta questão, que provocou enorme divisão na opinião pública, a comunicação social portuguesa viveu uma das maiores crises da sua história, com repercussões internacionais, sobretudo em relação à questão da liberdade de imprensa e relação do jornalismo com o poder político. De acordo com Mário Mesquita, este caso e o da Rádio Renascença constituíram, de facto, os incidentes com mais graves consequências no curso dos acontecimentos políticos do ano de 1975 (2).
Mário Mesquita saiu do República e entrou no Diário de Notícias, em 1976, ocupando os cargos de diretor-adjunto até 1978 e de diretor até 1986. Trata-se, de acordo com a opinião do antigo profissional da comunicação social e professor universitário José Rebelo, de uma “fase muito importante da sua carreira como jornalista”. Assina, então, «editoriais corrosivos, que são aguardados avidamente e com receio por todo o tipo de personalidades políticas, da direita à esquerda”.
Opositor do Estado Novo, sempre considerou que a Comunicação Social devia estar ao serviço da Democracia e da “cidadania democrática”, traduzida, segundo Maria Emília Brederode dos Santos, num jornalismo “competente, honesto e exigente, ou seja, informado, livre e responsável”.
De acordo com a opinião do jornalista e seu antigo aluno António José Teixeira, Mário Mesquita deve ser recordado como um verdadeiro defensor da independência do jornalismo, um valor que sempre praticou, mesmo quando exerceu cargos políticos, e que procurou sempre transmitir às novas gerações, designadamente enquanto professor.
Após vários anos no Diário de Notícias e depois de uma passagem pela direção do Diário de Lisboa (1989-1990), Mário Mesquita continuou ligado ao jornalismo, enquanto colunista de diferentes jornais, como o Público (1991-1992 e 1998-2007), o Diário de Notícias (1992-1996) e o Jornal de Notícias (2010-2011).
Deixou também uma forte marca enquanto ator político, uma atividade iniciada na juventude, como opositor ao salazarismo e desenvolvida, ao longo da vida, sob diferentes formas. Apoiou a CDE de Ponta Delgada, nas eleições de 1969 e 1973, foi militante e dirigente da Ação Socialista Portuguesa, entre 1969 e 1973, ano em que integrou o grupo que, em Bad Munstereifel, na República Federal Alemã, fundou o Partido Socialista. Após a Revolução de 1974, foi deputado à Assembleia Constituinte (1975-1976) e, posteriormente, à Assembleia da República (1976-1978).
Em 1978, renunciou ao cargo de deputado, abandonando, a partir de então, a sua atividade partidária em prol dos papéis de jornalista e investigador.
Foi, entretanto, membro das comissões políticas das campanhas presidenciais de Salgado Zenha (1985) e de Mário Soares (2005-06), e das comissões de honra das campanhas de Ramalho Eanes (1980) e de Jorge Sampaio (1996). Integrou, ainda e ao longo de seis anos (2007-2013), o Conselho Executivo da Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento, tendo a seu cargo o programa Açores e as áreas de Humanidades e Artes.
O PROFESSOR QUE ERA CHAMADO DE ‘JORNALISTA’
Foi um dos fundadores da licenciatura em Jornalismo da Universidade de Coimbra, na qualidade de professor associado convidado e de secretário coordenador do Instituto de Estudos Jornalísticos da Faculdade de Letras (1995-1998). Foi igualmente professor auxiliar convidado da Universidade Nova de Lisboa, Departamento de Comunicação Social (1986-1995; 1998-2001), membro do Conselho Geral da Universidade Aberta e da Universidade dos Açores; membro da Comissão de Redação da Revista de Comunicação e Linguagens (Universidade Nova de Lisboa) e do Comité Científico da revista Recherches en Communication (Universidade Católica de Lovaina).
Enquanto professor universitário, orientou inúmeros trabalhos académicos e participou como membro de júri em provas de mestrado e doutoramento em diferentes universidades (Universidade Nova de Lisboa, ISCTE-IUL, Universidade da Beira Interior, Universidade dos Açores, e Universidade de Coimbra).
Coordenou as “Conferências do Convento” (1996, 1997, 1998) no âmbito dos «cursos de verão» sobre Comunicação Social dos Estudos Gerais da Arrábida.
Profundamente interessado pelas questões relativas à Comunicação Social, foi ainda, recorda António José Teixeira, um professor que, para além de um sem número de trabalhos publicados (alguns deles editados em livro), editou e dirigiu coleções de ensaios e de estudos sobre o jornalismo. Está-se, no caso e como, a propósito, acrescenta aquele jornalista, perante uma obra “com muitos títulos e com muitas abordagens, uma obra própria com reflexões e ensaios» que são uma “uma referência para quem estuda o jornalismo” e não apenas em Portugal. Ou seja, defende o seu conterrâneo e escritor Onésimo de Almeida, Mário Mesquita transformou-se “num grande teórico da comunicação social em Portugal, respeitado pelos seus colegas”.
A 25 de novembro de 2021, a Universidade Lusófona do Porto outorgou-lhe o título de “doutor honoris causa», procurando assim sublinhar o enorme contributo de Mário Mesquita para o estudo da Comunicação Social em geral e do Jornalismo, em particular.
O RECONHECIMENTO DE UMA CARREIRA
Mário Mesquita ganhou vários prémios de jornalismo, designadamente o “Reportagem”, do Clube Português de Imprensa (1986), o “Artur Portela”, da Casa de Imprensa (1987), o “Gazeta de Mérito”, do Clube dos Jornalistas (1998) e o “Manuel Pinto de Azevedo Jr., na modalidade de investigação”, de O Primeiro de Janeiro (1999).
Em 1981, o Presidente da República Ramalho Eanes distinguiu-o com a “Comenda da Ordem do Infante D. Henrique”, tendo sido, anos depois (2016), declarado “Deputado Honorário”, pela Assembleia da República. Foi igualmente distinguido com a “Medalha de Reconhecimento”, pela Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores (2011) e com o “Diploma de Reconhecimento Municipal” pela relevância do seu percurso como jornalista, escritor e político pela Câmara Municipal de Ponta Delgada (2015).
A França e a Bélgica distinguiram o seu trabalho e ação com a Ordre nationale du Mérite (1979) e a Ordre Léopold II(1982), respetivamente.
Em 2017, assumiu o cargo de vice-Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Estava em funções quando morreu, no dia 27 de maio de 2022.
No dia 31 de Maio de 2022, foi agraciado, a título póstumo, pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, com a Ordem da Liberdade (grau de grande oficial).
Referências:
(2) BABO, I. (2022) - Mário Mesquita e o caso República. Em linha: https://www.e-cultura.pt/ieei/artigos/mario-mesquita-e-o-caso-republica/